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Nelson Fonseca Neto

Epifanias

20 de Junho de 2025 às 23:09
Cruzeiro do Sul [email protected]
Pianista Thelonious Monk é considerado um 
dos mais importantes músicos do Jazz
Pianista Thelonious Monk é considerado um dos mais importantes músicos do Jazz (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Não sou dos que envelhecem falando mal das coisas do presente. Desfruto de uma série de comodidades que não estavam disponíveis nos anos 90. Já disse mais de uma vez aqui: o YouTube é uma maravilha.

Eu estava falando justamente disso com o meu grande amigo Mafra. Somos devotos de caras como Lester Young, Dizzie Gillespie, Miles Davis e Thelonious Monk. Comentamos como o YouTube abriga umas raridades maravilhosas desse povo. Se bobear, fico horas conversando com o Mafra.

Outro grande sujeito é o Marcio. Gosto de tirar sarro dele, mas posso dizer aqui: acho espetacular quando ele desembesta a falar, na sala dos professores, sobre as minúcias do Renascimento italiano.

Fica parecendo que as conversas com o Marcio e com o Mafra giram em torno de temas elevados, mas também sobre muito espaço para bobagens, dessas de matar a gente de rir. Minha vida é mais rica por causa de gente como o Mafra e o Marcio.

Tem também um outro cara bom de papo que eu tenho a sorte de ver diariamente: o Gilmar Delgado, a pessoa que mais entende do centro de Sorocaba. É um prazer conversar com ele a respeito de ruas obscuras e casas antigas. Sonho com um encontro entre ele e a minha vó Clélia, outra enciclopédia da história da cidade.

Hoje mesmo, na sala dos professores de um dos colégios onde trabalho, o Marcio, o Gilmar e eu conversávamos a respeito de algumas ruas de Sorocaba. Eu levantei a lebre a partir de uma descoberta: a rua Paes Bettim, uma das travessas da Rio Grande do Sul.

Só fui me dar conta dessa rua encantadora semanas atrás, numa dessas minhas andanças. É inacreditável constatar que uma das ruas realmente interessantes da cidade está a menos de um quarteirão de onde moro.

Aqui eu preciso dar alguns detalhes. Sou apaixonado por aquilo que eu chamo de “rua dissidente”. É o seguinte: a rua dissidente tem que estar bem perto de ruas movimentadas e espaçosas; ela tem que ser um contraponto, ou seja, estreita, com muita sombra, silenciosa. Esse tipo de maravilha é coisa típica do centro da cidade.

Falei disso com o Marcio e o Gilmar e eles se empolgaram, cada um falando das suas ruas queridas. Obviamente surgiu o nome da Leite Penteado. Ali a dissidência é forte. Você sai da muvuca boa da São Bento e entra numa espécie de fenda do tempo e do espaço.

Semanas atrás a Patrícia e eu pudemos constatar isso, quando nos deparamos com três crianças pequenas, com uma metralhadora de brinquedo, brincando de polícia e ladrão na Leite Penteado. Vai dizer que não é exótico topar com crianças brincando na rua? Ainda mais com uma metralhadora de brinquedo. Tem coisa mais anos 80 do que isso?

Estou escrevendo este texto no começo da noite de quarta-feira, véspera de feriado. Antes de passar na padaria, fiz uma caminhada percorrendo a Paes Bettim e a Leite Penteado, ouvindo Thelonious Monk.

A vida é boa.