Arte urbana
Muito mais do que cores e formas, grafites transmitem mensagens à sociedade
Encontro da vida cotidiana com a arte pode acontecer de inúmeras formas, inclusive nas paredes

O encontro da vida cotidiana com a arte pode acontecer de inúmeras formas, inclusive nas paredes de prédios e empreendimentos. Um exemplo são os grafites, que além de alegrar os lugares com seus formatos e cores vibrantes, transmitem mensagens e reflexões para a sociedade. Em Sorocaba, as pessoas podem contemplar essa expressão artística em diversos pontos da cidade.
Um exemplo é o mural “Fruto da Mata”, localizado na parede externa do banheiro público do Parque das Águas. Com 27 metros quadrados, a obra apresenta uma mulher grávida cercada de animais, representando os biomas Cerrado e Mata Atlântica. Contudo, muito além dos personagens, o grafite aborda a necessidade do ser humano se conectar com a natureza.
Essa parede foi pintada por dois artistas sorocabanos, um deles é o Will Ferreira. A veia artística sempre esteve presente em sua vida. Ele se descreve como a criança que não parava de desenhar. Desta forma, o desenho evoluiu para o pano de prato, depois para as histórias em quadrinho e telas, até chegar no grafite.
“Os murais chamavam a minha atenção pelo tamanho. Todos que passam pelo local enxergam”, recorda Will. “Até que chegou o momento em que eu consegui transformar o meu gosto pela pintura em sustento.”
O artista lembra que o primeiro contato com o spray aconteceu em um projeto da Prefeitura de Sorocaba, por meio da então Secretaria da Juventude (Sejuv). Junto com um amigo, o sorocabano abriu uma empresa de grafite. Em 10 anos, mais de 300 murais foram feitos, tanto em empresas privadas quanto públicas.
Essência
Apesar das diversas e centenas de artes criadas durante essa década, um aspecto se repetia em cada obra: a essência do artista. Em cada traço do spray, Will mantinha a sua própria linguagem: as máscaras e as máquinas, uma crítica à perda da humanidade.
“O meu trabalho aborda uma realidade que poucos gostam de falar: a escuridão do ser humano. As pessoas estão viciadas em dopamina, priorizando o ter ao invés do ser. Todos estão virando máquinas. O celular virou igreja, pai, mãe, filho, e por aí vai”, aponta o artista. “A arte não é um produto. E neste mundo, em que tudo é vendável, é muito difícil manter sua essência.”
Segundo o sorocabano, quando o artista perde a sua própria linguagem para reproduzir um produto, ele se torna uma impressora. “A arte ajuda as pessoas a enxergarem uma realidade que não estão vendo, é literalmente a expressão: quer que eu desenhe? Portanto, nós precisamos ter um ponto de vista diferente, se estamos apenas replicando, viramos um espelho”, ressalta.
Atualmente, o sorocabano continua deixando a sua marca no mundo por meio do seu trabalho. Uma das suas obras favoritas, que ganhou reconhecimento internacional, é a escultura “A Última Árvore”, que levanta uma crítica ao capitalismo e ao desmatamento.
“Quando a última árvore for cortada, o último peixe capturado, o último rio envenenado, só então perceberemos que não se pode comer dinheiro”, é a mensagem que a escultura carrega consigo.
Grafite nas ruas
O grafite também é um dos quatro elementos da cultura do hip-hop. Ao lado do rap, do DJ e do breaking, os desenhos feitos com spray são uma forma de representar a estética da desconformidade que a movimentação artística carrega em seu DNA.
É esta realidade que despertou o artista adormecido em Michel Japs, o outro sorocabano responsável pelo mural “Fruto da Mata”. Ao Cruzeiro do Sul, ele conta que cresceu no meio da arte urbana em razão da sua paixão por skate. Desta forma, desde pequeno, passava 99% dos seus dias na rua.
“O ambiente que eu tinha ao meu redor era o grafite, a arte urbana, e todo tipo de expressão, pichação e tudo mais. Era algo que estava no meu círculo, então não tinha como eu não olhar para aquilo. Eu estava inserido ali”, relata Japs.
O despertar para a arte urbana aconteceu durante uma oficina de hip-hop em uma escola municipal, em
2002. Naquele dia, o sorocabano aprendeu as primeiras técnicas de grafite, bem como toda a sua história. Aquele conhecimento abriu as portas para um universo que ele ainda não conhecia.
“
O grafite só é considerado grafite quando é levado para as ruas. Eu só fui dar a minha cara a tapa em 2007, quando pintei o meu primeiro mural”, conta o artista. “De 2002 até 2007, eu pintava no papel, enquanto aprendia mais técnicas e construía a minha linguagem.”
Assim como para outros artistas urbanos da cidade, a Secretaria da Juventude de Sorocaba foi um divisor de águas para Japs. Ele recorda que, durante dois anos, participou dos cursos oferecidos pela Prefeitura, desde desenhos até pintura. Ao longo deste projeto, o sorocabano conheceu Will Ferreira, com quem não apenas criou uma amizade, mas também desenvolveu uma empresa e sociedade em 2014.
Camadas
Em suas obras, Japs sempre costuma transmitir uma mensagem: a construção do ser humano. Para isso, o artista constrói seus personagens em camadas, simbolizando cada vivência da vida. Neste sentido, nenhuma de suas obras é completa, sempre falta uma parte, representando as experiências que ainda não foram vividas.
“Afinal, nós somos feitos de vivências, temos nossas camadas. Na minha arte, cada camada é feita com uma cor, pois são diferentes”, explica o sorocabano.
Um exemplo é o mural “Monto-me”, desenhado na parede de uma loja de ferragens no Parque São Bento, na zona norte de Sorocaba. Entre tons de azul e roxo, Japs criou uma figura, adaptada em uma estante, ainda em construção. Em cada repartição do móvel, há casas e livros, representando as suas vivências.
“Ele é vazio por dentro, não está completo, ainda precisa ser preenchido. Portanto, a ideia é ele estar se montando, o prisma em sua cabeça significa a sua ideia”, aponta o sorocabano. “Esse mural fala muito dessa poética que eu quero expressar, da autoconstrução”.
Outro ponto destacado pelo artista é a interação do público com suas obras. Segundo ele, uma arte nunca está completa, pois depende da interpretação do espectador para se chegar a uma conclusão.
“Isso é muito legal. As cores normalmente chamam a atenção de crianças, mas, na maioria das vezes, o entendimento delas será muito diferente do meu, de acordo com sua bagagem cultural”, finaliza Japs.a
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