Nelson Fonseca Neto
Barba

Quando anunciaram o remake de “Vale Tudo” a Patrícia disse, na lata: vou assistir! Isso que ela já tinha visto umas cinco vezes a versão original, de 1988. Eu não fiquei muito empolgado porque bate certo desânimo imaginar um compromisso que rola seis vezes por semana ao longo de uns sete meses. A Patrícia, eufórica, e eu falei: vou ver de vez em quando, entre uma leitura e outra. (Alô, Conselho Tutelar: o João Pedro está dormindo na hora da novela.)
Essa história de entre uma leitura e outra é cascata, mas a gente vai se agarrando a uns fiapos de dignidade. Isso tudo pra dizer que estou vendo o remake de “Vale Tudo”. Como a coisa vai se arrastar por várias semanas, no tempo certo eu escrevo uma crítica mais encorpada. O que eu quero falar aqui é mais prosaico: a barba do Humberto Carrão.
O Humberto Carrão interpreta o Afonso, filho da Odete Roitmann. Ele, o Afonso, acorda de madrugada pra treinar. Um dos capítulos mostrou em detalhes o jovem acordando, tomando café e uns suplementos e correndo perto da Lagoa Rodrigo de Freitas. Trata-se de uma sequência bem com a cara dos dias de hoje. O Afonso de 1988 sempre estava de terno e gravata. Confesso que não gostei dessa releitura do personagem.
(Eu tenho acordado de madrugada pra ir à academia e posso garantir: não é glamouroso, mas a gente faz o que pode.)
Mas voltemos ao que interessa: a barba do Humberto Carrão. Eu queria uma barba daquelas e não tenho vergonha de assumir. Faz muitos anos que o meu rosto não é completamente lisinho, e isso é deliberado. Sempre fico com a esperança de que a barba, desta vez, vai crescer a contento. Nos primeiros dias a coisa é promissora. Depois vira um horror. Ficam uns fios compridos num rosto cheio de falhas. É a famosa barba de hipster. Só falta dar uma enrolada no bigode, em homenagem ao Salvador Dalí.
A barba do Humberto Carrão é inteiriça, homogênea, uma sombrona estilosa. Hoje, rumo aos cinquenta, ficaram algumas frustrações: não saber desenhar, não tocar guitarra, não ter uma barba decente. Só isso mesmo. Alguém poderia dizer: e entender de vinho?
Sem querer ser grosseiro aqui, até porque tenho muitos amigos que levam a sério a parada: eu detesto vinho, não entendo nada de vinho, saio correndo de eventos cujo ponto alto é a degustação de vinho. Eu não estou bancando o rústico de coração puro: eu não sei diferenciar um vinho caríssimo de um vinho fuleiro. É sério, eu não sei mesmo.
Não digo isso com orgulho. Respeito mesmo o pessoal que sabe harmonizar o vinho com a comida, que sabe dizer quais são os melhores restaurantes, que prepara risotos e churrascos sensacionais, que vai a um desses empórios de shopping e se vira bem naquela barafunda de produtos importados. Respeito o pessoal e fico um pouco triste por causa da Patrícia. Não que ela reclame, mas pode ser que, nos recônditos da alma, ela sinta falta de um toque mais refinado na nossa rotina alimentar.
Quantos eventos de queijo e vinho não perdemos? E as idas a restaurantes agradabilíssimos, polvilhadas de conversas maduras sobre os rumos da nação? E os brindes com os “friends forever”? E as “experiências”? Os “momentos”?
Enquanto isso, o tosco do marido da Patrícia está ensaiando comprar uma garrafa de Lemoncello, pra ousar, pra saber qual que é, pra ver se tem gostinho de limonada. E esse é o máximo de ousadia dele.