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Cultura

Filmes do Youtube: ‘Hannah Arendt’ (parte 5 de 5)

09 de Março de 2023 às 23:01
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A atriz Barbara Sukowa, que interpreta Hannah Arendt no filme
A atriz Barbara Sukowa, que interpreta Hannah Arendt no filme (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Encerrei o artigo da semana passada começando a escrever sobre o conceito de “Vazio de pensamento”, que se refere ao fato de nos tornarmos indiferentes ao mal banal que existe em torno de nós. “Compreender” para Arendt significa pensar para encarar a realidade sem preconceitos, com atenção e sem tentar ignorá-la -- seja ela qual for. Não significa negar os fatos chocantes ou diminuir o impacto da realidade. Significa, antes de mais nada, pensar criticamente, examinar conscientemente a realidade, sem negar sua existência. Eichmann não pensava criticamente, não compreendia a realidade. Usava os clichês, as frases feitas que têm a função de proteger-nos da realidade. Foi essa ausência de pensamento crítico -- uma experiência tão comum em nossa vida cotidiana, em que dificilmente temos tempo e muito menos desejo de parar e pensar -- que despertou o interesse de Hannah Arendt. Eichmann não entrou para o Partido Nazista por convicção. Sempre que lhe pediam para dar suas razões, repetia os mesmos clichês sobre desemprego e a injustiça do Tratado de Versalhes que marcou a rendição da Alemanha na Primeira Guerra Mundial.

Eichmann, nas palavras de Arendt, era um admirador ilimitado de Hitler e agia como um respeitador das leis que emanavam do Führer: “ele não só obedecia ordens, ele também obedecia a lei”, porque “as palavras do Führer tinham força de lei.” Eichmann não era um odiento perseguidor de judeus, mas simplesmente um burocrata que executava com diligência a função para a qual havia sido destacado. “Foi por absoluta falta de reflexão, o que não tem a ver com ignorância, que o predispôs a tornar-se um dos maiores criminosos do século 20. Ele era simplesmente incapaz de pensar”. O pensamento a que Arendt se refere é o pensamento crítico.

Diz Arendt no filme: “Ao recusar-se a ser uma pessoa, Eichmann abdicou totalmente da característica que mais define o homem como tal: a de ser capaz de pensar. Consequentemente, ele se tornou incapaz de fazer juízos morais. Essa incapacidade de pensar permitiu que muitos homens comuns cometessem atos cruéis numa escala monumental jamais vista. (...) A manifestação do ato de pensar não é o conhecimento, mas a capacidade de distinguir o bem do mal, o belo do feio”. De Sócrates a Kant prevaleceu a noção da “impossibilidade de o homem praticar deliberadamente atos cruéis, querer o mal pelo mal”, afirma Arendt. Todavia, a figura de Eichmann nos ensina a não presumir como óbvia a consciência moral. Esta deve ser cultivada e para cultivá-la é preciso pensar criticamente.

As mídias sociais, que hoje estão no centro da política, criam um pequeno repertório de frases de efeito que se tornam verdades para o grupo de seguidores de um líder político. O discurso das mídias sociais é enganador, não quer propagar a verdade, mas falseá-la. A atividade massiva das mídias sociais induz à passividade e à perda da capacidade de pensar criticamente. A mentira sem contestação consumou o desaparecimento do pensamento crítico. Isto provoca o vazio do pensamento apontado por Arendt e com ele, avança o totalitarismo. Por isso refletir é fundamental, porque o pensamento crítico é o grande inimigo do totalitarismo e o totalitarismo busca justamente destruir o pensamento crítico.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec