Cultura
Filmes do Youtube: Hannah Arendt (parte 2 de 5)
Na semana passada comecei a expor o conceito de “banalidade do mal” criado pela filósofa Hannah Arendt em seu livro “Eichman em Jerusalém”. Afirma Arendt que Eichmann era um bufão, não acreditava que estivesse fazendo algo errado, que fosse responsável pelo que fazia, porque, afinal de contas, agia como bom funcionário que deve obedecer ordens e que nada há de errado em obedecer ordens. Arendt viu em Eichmann um homem comum, de caráter similar a muitas outras pessoas, parecia um cidadão de bem. “O problema com Eichmann era exatamente que muitos eram como ele, e muitos não eram nem pervertidos, nem sádicos, mas eram e ainda são terrível e assustadoramente normais”, escreveu. Ele não se dava conta de que, ao aderir ao nazismo, ele promoveu o regime, atuou no regime, viveu do regime e colaborou com ele de maneira profissional e criativa. Ele abdicou da sua própria autonomia, de sua própria liberdade e de sua consciência, como ela diz no filme. Eichmann não era um louco, maligno ou cruel. Era um carrasco de gabinete. O sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman afirmou em “Modernidade e ambivalência” que “as monstruosidades ideológicas do nazismo não foram construídas por monstros, mas foram desenvolvidas com rigor científico por homens comuns”.
Arendt mostrou o mal como distribuído entre os seres humanos, incluindo entre os líderes judeus que colaboravam com os nazistas no extermínio dos próprios judeus. A parte final do filme trata principalmente das agressivas manifestações de repúdio de que foi vítima pela comunidade judaica, embora ela mesma fosse judia. Ela não culpou as vítimas pelo genocídio de judeus, ela simplesmente escreveu sobre um episódio degradante para os judeus e ressaltou como as próprias vítimas podem se tornar agentes de um processo de extermínio: “Porque o papel dos líderes judeus fornece o exemplo mais chocante do ponto a que chegou o colapso moral causado pelos nazistas na respeitada sociedade europeia. E não só na Alemanha, mas em quase todos os países. Não apenas dentre os que perseguiam, mas também entre as vítimas”, diz ela no filme
O que Arendt procura entender é a relação do genocídio com a própria natureza humana e como foi possível participar ativamente da indústria da morte do nazismo e não ter consciência da responsabilidade de suas ações.
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Existe uma diferença entre o mal, como amplamente estudado pela filosofia, e o mal banal. O mal ocorre, por exemplo, quando médicos estupram mulheres anestesiadas; ou quando o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, na reunião ministerial de 22/04/20, sugeriu que se aproveitasse do trauma da pandemia da Covid 19 para “passar a boiada” e alterar regras de preservação ambiental. Nestes casos, o mal é praticado conscientemente. Não é o mal banal. O fato de agredirmos verbal ou fisicamente ou matarmos pessoas de ideologia diferente da nossa não é mal banal.
O mal banal ocorre quando o indivíduo está participando de determinada situação de desgraça -- como Eichmann, que era responsável pela complexa logística de envio de pessoas aos campos de extermínio --, mas deixa de pensar sobre a sua responsabilidade, porque não está matando diretamente os prisioneiros; é isso que ele sempre alegou, que não matou ninguém.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec