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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘O caso Collini’

16 de Dezembro de 2022 às 00:01
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Ator italiano Franco Nero, que interpreta Fabrizio Collini
Ator italiano Franco Nero, que interpreta Fabrizio Collini (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Assim como ‘Nada de novo no front’, que analisamos nas últimas semanas, este “O caso Collini”, de 2019, do diretor alemão Marco Kreuzpaintner, também se presta a uma análise sobre a ambiguidade e os paradoxos do caráter do ser humano.

Um eminente magnata da indústria alemã, Hans Meyer - cidadão rico e respeitado, membro da Ordem do Mérito da República Alemã - é assassinado, em um hotel de luxo de Berlim em 2001 pelo italiano Fabrizio Collini. Após o crime, Collini se faz prender e não dá qualquer informação sobre sua relação com a vítima.

Pouco a pouco o filme vai nos mostrando que a motivação do crime remonta à época em que Hans Meyer, ainda jovem, servia na Itália como membro da SS nazista.

O filme levanta muitas questões interessantes sobre História, como o nazismo, mas uma das mais significativas diz respeito à diferença enorme de caráter exibida por Hans Meyer entre sua juventude e sua velhice.

A mudança do comportamento ético e moral de Hans Meyer poderia ser compreendida por meio do pensamento de Freud sobre a bondade e a maldade no indivíduo que citei na crítica de “Nada de novo no front”. Para ele, não existe a erradicação do mal, porque o ser humano pode ser bondoso em certas situações e indiscutivelmente maldoso em outras. E que, portanto, não se justifica o desapontamento da humanidade com respeito ao comportamento bárbaro dos soldados durante as guerras. O desapontamento decorre, de fato, de uma concepção infundada e erroneamente otimista sobre a psicologia do ser humano.

Poderia adicionar nesta ocasião o que já escrevi nesta coluna sobre o pensamento de Freud a respeito da psicologia das massas: em todos os tempos e em todos os lugares, pessoas que se reúnem em grupos são capazes de atos de violência que normalmente não cometeriam isoladamente. O indivíduo isolado pode ser pacifista, obediente das leis, culto; quando pertencente a um grupo, libera seus impulsos instintuais inconscientes e apresenta novas características que nada mais são do que manifestações desse inconsciente. Como consequência, aflora tudo o que é mau na mente humana e que está contido ali como uma predisposição. Abdica da sua capacidade de refletir, sua autonomia, sua liberdade e se identifica com a massa e com seu líder. Adquire uma certa irresponsabilidade individual por seus atos, porque seus atos são validados pela massa.

O jovem Meyer comanda um grupo de soldados e sua autoridade é validada pelo próprio Hitler, o líder supremo. Freud afirma que o líder militar “é um pai que ama todos os soldados igualmente e, por essa razão, eles são camaradas entre si.” A morte está no fundamento do nazismo e, partindo de Hitler, atravessa todos os extratos da hierarquia militar até chegar ao soldado raso que fuzila civis. Crimes horrendos foram cometidos também pelo stalinismo, pelo cristianismo, pelo islamismo, mas a morte não está no fundamento dessas crenças políticas e religiosas; ao contrário, pregam a justiça social, mas descambam para a violência porque, no fim das contas, são implementadas por seres humanos. E, como nos ensinou Freud, seres humanos trazem a semente da violência como possibilidade e muitos deles simplesmente aguardam a oportunidade para fazê-la brotar.

É impossível saber o que o idoso Hans Meyer pensa dos massacres que praticou na juventude. Mas guarda cuidadosamente a arma que usava como se fora um troféu.

Está série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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