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Cultura

A vida em notas: a missão de Ostergren

Maestro regente da Orquestra Sinfônica de Sorocaba fala sobre sua carreira e os desafios atuais

24 de Outubro de 2021 às 00:01
Marina Bufon [email protected]
O maestro está a frente da Orquestra Sinfônica de Sorocaba desde 2010.
O maestro está a frente da Orquestra Sinfônica de Sorocaba desde 2010. (Crédito: ERICK PINHEIRO / ARQUIVO JCS )

O escritor gaúcho Érico Veríssimo costumava dizer “Eu venho de uma cidade que tem uma orquestra sinfônica”. Quem é sorocabano, também pode falar o mesmo -- e com orgulho. A Orquestra Sinfônica de Sorocaba conta com quase 70 anos de história e desde 1992 é administrada pela Fundação de Desenvolvimento Cultural de Sorocaba (Fundec). Sua memória recente -- dos anos 90 para cá -- se confunde com um personagem apaixonante e apaixonado pela música: o maestro Eduardo Ostergren.

“A orquestra é um patrimônio da comunidade e eu gostaria que a cidade se orgulhasse da nossa orquestra. Quando uma comunidade tem uma orquestra sinfônica, ela é respeitada, porque ela investe nas Artes e na Cultura”, disse ele nas dependências da Fundec.

Nascido em São Paulo, os cabelos brancos desenham as inúmeras experiências vividas pelo músico, que morou durante 35 anos nos Estados Unidos. Após completar 18 anos, foi agraciado com uma bolsa de estudos na Southern Methodist University, em Dallas, para fazer o seu mestrado. A vida, porém, não foram só notas musicais.

“A vida de músico não é fácil, você tem obrigações no final do mês. Para ajudar nas contas, eu trabalhei como empacotador de fertilizantes. Horroroso! A cada meia hora passava um cidadão servindo leite para tomar e desintoxicar as vias aéreas”, contou.

Depois do mestrado, foi aceito no doutorado na Universidade de Indiana, também em música. Apertado financeiramente, casado e já com dois filhos, acabou migrando para Carolina do Norte, onde permaneceu por vários anos regendo a orquestra da Universidade local. A paixão pelo ensino da música, porém, falou mais alto e ele retornou à faculdade, onde terminou os estudos. Em Indiana, regeu a orquestra de Lafayette por um longo período.

“Uma coisa interessante é que em Indiana tem uma cidade chamada Brazil. Ali se formou uma comunidade com comércio muito intenso, e o pessoal achou que precisava ter um posto de correio. Foram até Washington para pedir autorização, mas a cidade precisava de um nome. Um deles, abrindo o jornal, viu que acontecia a guerra Paraguai x Brasil. Deram o nome de Brazil nessa localidade por causa dessa referência. Passados os anos, eu bem envolvido em Indiana, recebi um convite da embaixada brasileira para representar o Brasil no aniversário de 100 anos de Brazil, e eu fui. Andei em um carro aberto no desfile. Isso me valeu o título de cônsul honorário lá”, se divertiu.

Mudança e pandemia

Na Fundec, Ostergren fala sobre sua paixão pela música. - FÁBIO ROGÉRIO (21/10/2021)
Na Fundec, Ostergren fala sobre sua paixão pela música. (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (21/10/2021))

Já querendo voltar ao Brasil, Ostergren recebeu o convite do então presidente da Fundec Luiz Marins para reger a orquestra de Sorocaba. Ele ficou até 1999 e depois retornou em 2010, estando à frente dos músicos até os dias atuais. Além da função, ele também é professor da pós-graduação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com orientandos de mestrado e doutorado.

A Orquestra Sinfônica de Sorocaba, assim como o mundo todo, precisou passar por algumas modificações por conta da pandemia do coronavírus. Atualmente, são 26 músicos (“era para termos por volta de 40”), sendo todos eles da região de Sorocaba, exceto alguns convidados pontuais. O maestro comanda ensaios às terças e quintas, com três horas de duração cada, além de concertos -- estão previstas peças presenciais ainda neste ano.

“Temos agora uma série de desafios, eu mesmo estou precisando me reinventar. Herdei toda uma dinâmica tradicional da orquestra tradicional, com repertório sinfônico dos grandes mestres. Sempre pensei ao longo desses parâmetros. Aí veio a pandemia, foram necessárias as colocações de placas de acrílico entre os músicos. O som era totalmente diferente, passei maus bocados. Por outro lado, as lives foram excelentes, atingiram mais pessoas, mas não consigo cumprimentar o público. Sempre recebi o público na porta do auditório, ouvia solicitações e, na medida do possível, atendia esses pedidos. Agora não posso cumprimentar, dar a mão. Na melhor das hipóteses é dar o cotovelo. Precisei me reprogramar e repensar tudo isso. Também pela pandemia, cambaleamos em outras questões, como financeiras”.

Além dos experientes cabelos brancos, os olhos azuis e profundos entregam mais: a paixão pela música, pelo ensino, pela regência, pela Fundec. “A música é som, é silêncio, é duração. E o que faz o maestro? O gesto dele é um comando, mas mais que isso: é um convite ao músico para tocar aquele instrumento da melhor forma possível, mas com a sua concepção. Além disso, tenho um desafio muito grande de verbalizar a música para o leigo, gosto muito disso e sempre fiz isso, acredito nesse componente educacional. Então, quando a gente apresenta um concerto na Fundec, prefacio a música com uma explicação, como o compositor concebeu e o que está por detrás da composição”.

Por fim, ele explica que não é necessário que um maestro saiba tocar todos os instrumentos, mas conhecê-los para “não pedir bobagem ao músico”. Ainda assim, vale mencionar, ele toca trompete, flauta, trombone, violino, viola, contrabaixo, tímpano, piano e órgão. “Eu era mais versátil que agora, hoje estou mais concentrado na viola”, finalizou. (Marina Bufon)

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