Musical sobre Jackson do Pandeiro vai para a internet
Jackson do Pandeiro (1919-1982) consagrou seu estilo na música brasileira. Crédito da foto: Divulgação
Entre as diversas produções artísticas interrompidas pela pandemia do novo coronavírus, o musical Jacksons do Pandeiro parecia ser mais uma vítima -- a estreia prevista para o início do ano foi cancelada pelo fechamento dos teatros e a determinação do isolamento social. “Estávamos próximos do terço final do espetáculo, com a linguagem já definida”, lamenta-se Alfredo Del-Penho, um dos membros da Cia. Barca dos Corações Partidos, grupo criador do espetáculo.
A pausa, no entanto, durou menos que o esperado porque a Barca percebeu que era possível apresentar o musical, desde que um rigoroso protocolo sanitário fosse seguido. Assim, no dia 10 de outubro, Jacksons do Pandeiro será apresentado ao vivo, às 20h, no canal de YouTube da companhia e também no Canal BIS, a partir do teatro da Cidade das Artes -- e, feito hoje considerado raro, com os sete integrantes do grupo, além de três convidados, encenando lado a lado no palco. Há a possibilidade de a peça entrar em cartaz no fim de outubro.
Para que isso se tornasse realidade, o grupo seguiu um meticuloso plano. “Todos fizemos teste de Covid e, então, cumprimos uma quarentena para então começarmos os ensaios presenciais”, contra a produtora Andréa Alves, lembrando que os componentes se comprometeram a não ter contato com ninguém fora de seu convívio habitual para evitar contágio.
Ritmo e palavras
A interrupção provocada pela pandemia e a retomada de agora são fatos inesperados, quebras na trajetória planejada que dialogam perfeitamente com o estilo consagrado por Jackson do Pandeiro (1919-1982) -- considerado por muitos críticos como um dos grandes musicistas brasileiros (comparável a João Gilberto na genialidade), Jackson brincava com o ritmo e as palavras, sempre provocando surpresa. “Ele aprimorou o conceito de síncope na música, ou seja, quando a nota subverte a expectativa”, observa Eduardo Rios, que assina a dramaturgia do espetáculo ao lado de Braulio Tavares.
Basta observar Sebastiana, um dos clássicos de Jackson. O solista dá o início: “Convidei a comadre Sebastiana/Pra cantar um xaxado na Paraíba/Ela veio com uma dança diferente/E pulava que só uma guariba/E gritava...”. Nesse instante, o coro assume: “A, e, i, o, u, ipsilone...”
“Sua instintiva musicalidade é própria, única”, escreveu o crítico João Máximo, do jornal O Globo, em 2004. “Ele parecia temperar o caráter, digamos, agreste da voz com divisão toda sua, surpreendente a cada intervalo, somando a ela uma agilidade, uma sinuosidade, da qual raros sambistas de bossa eram capazes.”
Foi tal descoberta que orientou a diretora Duda Maia. “Esse universo rítmico do Jackson marcado pelas quebras -- quando se espera uma coisa do canto e vem outra -- acabou por também inspirar a concepção do espetáculo”, conta ela que, depois de uma reflexão, percebeu não ser surpreendente tanto desvio na rota desse musical, que vem sendo gestado desde 2017. “Há uma relação direta com os desvios propostos pelo Jackson.”
Duda pensou, portanto, em um espetáculo marcado tanto pela quebra do ritmo nas canções como nas interpretações. “É um coco acelerado”, diverte-se ela, referindo-se ao gênero musical do qual Jackson era um expert e cuja. (Ubiratan Brasil - Estadão Conteúdo)