Memória dos operários vira exposição no Sesc
A exposição traz desenhos e pinturas inspiradas fotografias antigas de operários e também imagens coletivas, em tinta óleo, que retratam o jeito, expressão e condições de vida dos trabalhadores do início do século 20. Crédito da foto: Reprodução
Arte contemporânea e militância política se entrelaçam na exposição “Livro de registro”, da artista visual Flávia Aguilera, que será aberta ao público na quinta-feira (18), às 19h, no espaço expositivo do 1º andar do Sesc. Com curadoria de Ana Maria Maia, a mostra reúne parte da produção mais recente da artista sorocabana, fruto de uma pesquisa que, a partir da escuta de testemunhos e da organização de arquivo de documentos históricos, resulta em pinturas e desenhos que procuram dar visibilidade a um imaginário da classe trabalhadora da cidade e região.
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De acordo com Flávia Aguilera, a exposição tem o intuito de reconhecer e valorizar a luta da classe operária no interior paulista e suas conquistas de direitos. “Queremos reativar e mostrar através dos registros, relatos, fotos e jornais, o quanto lutamos e avançamos no passado e o quanto este modo de vida explorado e as lutas contra as péssimas condições de trabalho foram e ainda são silenciadas”, comenta.
A artista revela que o interesse pela memória operária nasceu do desdobramento de sua pesquisa sobre a história da menina Julieta Chaves, assassinada em 1899 aos 7 anos de idade, que ficou popularmente conhecida como a “Santinha de Sorocaba”. Além de uma série de pinturas e desenhos sobre a personagem, Flávia é autora do livro “A história de Julieta Chaves -- a ‘santinha’ de Sorocaba”, escrito em parceria com o historiador Carlos Carvalho Cavalheiro.
Ela comenta que em meio à consulta de imagens antigas da cidade, foi impactada por uma fotografia em especial, datada de 1896, que mostrava um grande grupo de operários em frente à Fábrica Nossa Senhora da Ponte. “O que mais chamou a minha atenção foi que a maioria era mulheres e crianças”, relembra. Intrigada pelas expressões faciais da foto que, segundo ela, parecem revelar estresse e cansaço das longas jornadas e baixos salários, Flávia decidiu se aprofundar no tema. “Também porque é a história da minha família, e minha história”, acrescenta.
A produção artística inspirada no movimento operário local ganhou mais força em 2015, com lambe-lambes confeccionados a lápis e colados em vários pontos da região central, que retratavam mulheres em tamanho real, baseadas nas fotografias das operárias das fábricas têxteis que deram a Sorocaba o apelido de “Manchester Paulista”. Desde então, em parceria com Cavalheiro, a artista passou a colecionar materiais, como fotografias, livros e registros de fábricas e edições do jornal Folha Operária, de 1909 a 1911. Este acervo deu origem ao Centro de Memória Operária Sorocabana, que terá uma seção reservada na exposição.
Acervo
Segundo Flávia, além de divulgar o Centro de Memória, que pleiteia uma sede própria no município, a ideia da exposição é convidar a população a colaborar com a ampliação do acervo da instituição, doando originais ou reproduções de fotografias e documentos ligados à memória operária na região. A artista visual destaca que a instituição também tem a missão de criar engajamento social, “para que a classe trabalhadora produza e proteja as suas próprias memórias”. Ela destaca que, diferentemente dos proprietários das grandes fábricas, que ganharam biografias e se tornaram nomes de ruas e praças, os operários foram invisibilizados e esquecidos pela história.
Sob a curadoria da pesquisadora pernambucana Ana Maria Maia, professora de arte contemporânea e doutora em Teoria e Crítica de Arte pela Universidade de São Paulo (USP), a exposição “Livro de registro” foi divida em duas frentes, que tratam das memórias coletivas e individuais. A primeira, por meio de desenhos e pinturas em tinta óleo inspiradas fotografias antigas de grupos de operários. Já a segunda frente procura dar protagonismo ao indivíduo que faz parte dessa massa de mão-de-obra fabril.
A história desses trabalhadores anônimos é personificada na figura de três operários, por meio de reproduções de fotografias, documentos, como Carteira de Trabalho, e depoimentos em áudio. Para a exposição, Flávia entrevistou o ex-ferroviário José Antunes, conhecido como Zé Capela, e Áurea Figueiredo Bruson, que foi tecelã na Fábrica Santa Rosália. A exposição também resgata depoimento histórico da militante operária e primeira vereadora eleita de Sorocaba, Salvadora Lopes (1918-2006), concedido em 2002 ao historiador Carlos Cavalheiro. “Decidimos focar no particular, para conseguir ver o indivíduo por trás dessa massa”.
A exposição ficará em cartaz até 27 de outubro e pode ser vista gratuitamente, de terça a sexta, das 9h às 21h30 e aos sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h30. Durante este período, haverá atividades de pintura com modelo vivo e roda de conversa com Flávia Aguilera, Carlos Cavalheiro e a cineasta e professora Lilian Solá Santiago com data ainda a ser definida. O Sesc Sorocaba fica na rua Barão de Piratininga, 555, Jardim Faculdade. (Felipe Shikama)
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