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Livro traz correspondência inédita de Clarice Lispector

29 de Setembro de 2020 às 23:07

Livro traz correspondência inédita de Clarice Lispector Livro reúne 284 cartas enviadas por Clarice a familiares e amigos. Crédito da foto: Divulgação

A escritora Lygia Fagundes Telles se diverte quando conta um dos vários fatos engraçados vividos ao lado de Clarice Lispector. “Ela não gostava de me ver sorrindo para fotos e dizia: ‘Liginha, não sorria, escritoras que sorriem não são levadas a sério’”.

Já o também autor Otto Lara Resende festejava quando recebia, pelo correio, alguma notícia de Clarice. “Ler as cartas de Clarice é como saborear garrafas de champanhe espumante”, dizia ele.

É justamente o relacionamento próximo com seus colegas de escrita o ponto alto do livro “Todas as Cartas” (Rocco), que foi lançado na última sexta-feira, e que reúne 284 missivas enviadas por Clarice a familiares e amigos (entre autores e editores).

Clarice Lispector inédita

E, desse total, cerca de meia centena é inédita para o público, justamente a que ela utilizou para trocar opiniões e confidências com destinatários como João Cabral de Melo Neto, Rubem Braga, Lêdo Ivo, Paulo Mendes Campos, Nélida Piñon, Natércia Freire e Mário de Andrade, além de Lygia e Otto.

O livro foi organizado por décadas, dos anos 1940 aos 1970, e o texto recebeu notas da biógrafa Teresa Montero, que contextualizam os fatos.

“Temos a oportunidade de acompanhar quatro décadas do itinerário da escritora cuja rara sensibilidade fala a seus destinatários sobre diversos ângulos da vida”, escreve Teresa, no prefácio.

“As angústias que acompanharam a penosa formação de uma jovem que abraça o destino de ser uma escritora. A de ser mulher em um tempo no qual os caminhos do universo feminino eram extremamente áridos: a Academia Brasileira de Letras, por exemplo, ainda não ousava mudar seus estatutos para permitir o ingresso das mulheres. Clarice mostra-se sempre sensível e aberta para respeitar aquilo que nos é mais caro: a nossa essência.

Correspondências em três obras

A vasta correspondência de Clarice já inspirou a publicação de outras três obras: “Cartas Perto do Coração” (2001), organizada por Fernando Sabino, “Correspondências” (2002) e “Minhas Queridas” (2007), estabelecidas por Teresa Montero.

Nesse contexto, “Todas as Cartas”, além de recuperar esse material, traz informações valiosas.

“É um aporte de duplo valor, pois ilumina alguns aspectos pouco conhecidos de sua personalidade e, por outro lado, oferece novos subsídios para os estudiosos e pesquisadores de sua obra literária”, observa Pedro Karp Vasquez, editor da obra de Clarice na editora Rocco.

A primeira carta tem a data de 17 de maio de 1940 e é endereçada a uma de suas irmãs, Elisa -- ela e Tania são as principais destinatárias no primeiro lote de missivas, que soma 150 cartas, das quais 16 inéditas em livro.

Ali, Clarice, cujo centenário de nascimento será celebrado no dia 10 de dezembro, já ensaiava sua entrada no mundo da escrita, trabalhando como repórter e tradutora na Agência Nacional -- também sentia as agruras do salário baixo. “Entre as qualidades do dinheiro, não está a elasticidade”, escreve, revelando um humor que vai pontuar muitas de suas cartas.

O último documento registrado no livro não tem data precisa, apenas novembro de 1977. Clarice foi autora de clássicos como “A Paixão Segundo G.H.” e “A Hora da Estrela”. (Ubiratan Brasil - Estadão Conteúdo)