Nelson Fonseca Neto
Penumbra

Lembro nitidamente de quando descobri que eu era míope. Foi no terceiro colegial, em 1994. Eu estudava junto com a turma do cursinho. Éramos mais de cem alunos numa daquelas salas em que há degraus conforme se vai ao fundo.
Passei os três anos do colegial sentado nas últimas carteiras. Nos dois primeiros anos as salas não eram muito grandes. No começo do terceiro colegial, numa aula de geografia, percebi que tinha de forçar a vista para entender o que a professora estava escrevendo na lousa. Era daquelas professoras que escreviam bastante, recorrendo a várias cores de giz. Eu achava uma beleza.
Cheguei em casa contando da dificuldade para ver os detalhes na lousa. Meus pais agendaram um horário com o doutor Maiello, grande oftalmologista da cidade. Eu já tinha ido ao consultório dele algumas vezes, para fazer exames de rotina, e achava um dos lugares mais encantadores da cidade.
Era uma casa antiga que ficava num trecho movimentado da rua 7 de Setembro. Todas as vezes em que fui lá o sol estava terrível. Eu adorava o contraste entre a luminosidade da rua e a penumbra da sala de espera do doutor Maiello. Sem contar o silêncio do ambiente e a gentileza de uma secretária de cujo nome infelizmente não me recordo.
O doutor Maiello era pontual. Sua sala ficava no final de um corredor. Ela era escura porque o meu querido oftalmologista precisava projetar letras de vários tamanhos na parede, além de examinar meus olhos com aquelas lentes estrambóticas. O doutor Maiello tem voz suave e acolhedora. Ele é a cara do Milton Hatoum, escritor que simboliza a calma e os bons modos.
Os exames eram feitos depois que a secretária pingava o colírio dilatador de pupila. No ambiente mais escuro, não dá para perceber a diferença, mas era um choque ter de encarar o solzão da rua 7 de Setembro. Naquela época eu morava na Penha com a Benedito Pires, e voltar para casa era uma aventura. Eu tomava alguns cuidados, meus passos eram erráticos e eu ia espirrando sem parar. No fim sempre dava certo.
Dia desses eu me peguei visitando mentalmente o consultório do doutor Maiello. Ali havia conforto sem firula; eficiência sem alarde; beleza sem rococó. É um choque comparar aquele cenário com o que temos hoje. Sei que é chatice minha, mas o que eu chamo de “jeitinho Iguatemi” veio como uma onda gigante.
O “jeitinho Iguatemi”: não vou gastar muito tempo descrevendo. Que o leitor faça o seguinte: vá ao shopping, repare nas cores, na iluminação, no cheirinho. Agora guarde bem na memória e veja como as coisas aparecem nas casas que estão sendo construídas, nos consultórios mais descolados, nos saguões de hospitais, nos lugares que abrigam velórios.
Nas duas últimas semanas, escrevi sobre ruas e becos que rompiam com o entorno barulhento. Que fique registrado: o consultório do doutor Maiello pertence à categoria dos lugares que fazem (ou fizeram) a gente mais feliz.
Ah, e como diria o Herbert Vianna, eu não nasci de óculos.