Nelson Fonseca Neto
Falsificado

Ao longo desses anos todos muitos alunos dizem imaginar a minha casa como um lugar silencioso, lotado de livros e que toca música erudita o tempo inteiro. Só acertaram na parte dos livros.
Também dizem ter certeza de que há uma poltrona que uso para minhas leituras. Até tem a poltrona, mas prefiro ler deitado. Imaginam que meus livros são encadernados em couro, com letras douradas na lombada. Alguns estimados alunos, quero acreditar que de maneira galhofeira, supõem que leio trajando um roupão e fumando um cachimbo.
Quando ouço essas coisas dou uma corrida até o espelho para ver se me deparo com um fidalgo inglês do século 19. Acabo encontrando um cara grandalhão, que usa camiseta, calça jeans e tênis. A barba está sempre por fazer. O cabelo nunca está alinhado.
Talvez tenha a ver com a maneira como falo nas aulas. Pode ser que eu esteja enganado, mas não falo de maneira empolada. Claro que, numa aula, eu não me expresso como aqui em casa, fazendo a farra com a Patrícia e o João Pedro. Se eu pudesse fazer um paralelo entre linguagem e roupa, eu diria que, no trabalho, não uso fraque, mas também não recorro ao chinelo e à bermuda. Existe uma palavrinha linda chamada “noção”.
Acho abominável, numa conversa, corrigir gramaticalmente alguém. Cada um se vira como pode. Sou professor de língua portuguesa e sei que, em muitos casos, de acordo com a norma-padrão, a preposição precisa acompanhar algumas palavras.
Na prática, para o leitor não sair correndo daqui: o substantivo “certeza” precisa da preposição “de”; assim, quem tem certeza, tem certeza de algo. No cotidiano, é super tranquilo falar “tenho certeza que tudo vai dar certo”. Só que eu tenho a mania de falar “tenho certeza de que tudo vai dar certo”. Carteirada? Deus queira que não. É automático. Não estou acima de ninguém por causa disso.
(Já que estamos falando de pronomes relativos, tem uma coisinha sobre o “cujo”. Difícil a gente trombar com um “cujo” na conversa solta. Eu uso “cujo” numa boa. Agora, pensando bem, até que tem nexo meus alunos acharem que, no aconchego da alcova, sou um personagem de novela inglesa.)
Ainda bem que esse povo que vive de imaginar a vida privada do professor batalhador não diz que sou fervoroso admirador do Parnasianismo, mesmo tendo muita coisa boa por aquelas terras. Só para vocês sentirem o drama: acho, no cenário da literatura brasileira contemporânea, o José Falero um gênio. Falo dele sempre que posso. Comprem um livro dele e confiram se aquelas palavras ornam com um jeito aristocrático de tocar o barco.
Vou chegando ao fim da coluna de hoje já pensando no que farei nas próximas horas. Agora são 19h41 de uma quarta-feira. Perto das nove o João dorme. Aí é Vale-Tudo na veia, umas fofocas com a Patrícia e um livrinho antes de capotar.
E assim leva a vida o fidalgo de araque.