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Nelson Fonseca Neto

Cambaleando

27 de Fevereiro de 2025 às 21:51
Cruzeiro do Sul [email protected]
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. (Crédito: REPRODUÇÃO)

Tem dia que eu venho pra cá com um assunto definido. Vou feliz pra frente do computador porque sei que a coisa vai fluir rapidamente e de forma organizada. Eu gostaria que sempre fosse assim, na maioria das vezes até que é, mas tem semana que a coisa enrosca por conta de um monte de coisas que a gente tem pra fazer. É o que está rolando agora.

Eu poderia entrar em contato com o pessoal do jornal e dizer “minha gente, hoje não tem texto”. Meu lado CDF acha sacanagem fazer isso. Não tenho muito tempo pra ficar pensando no grande tema da semana e é por isso que vou soltando de uma forma meio avoada as coisas que estão passando na minha cabeça. Tudo leva a crer que teremos algo desconjuntado a partir do próximo parágrafo, mas, em minha defesa, posso dizer que estou falando do problema logo na largada.

Na semana passada a Patrícia e eu, vendo TV, topamos com “Cidadão Kane”. Eu já tinha visto o filme algumas vezes; a Patrícia, não. Eu não só tinha visto o filme algumas vezes como frequentei o curso de cinema do Inácio Araújo, no começo dos anos 2000. Naquela época eu inventei que seria crítico de cinema.

Valeu a pena ter feito o curso. O Inácio Araújo mostrou, em vários momentos, como ver atentamente um filme. Numa das aulas ele esmiuçou “Cidadão Kane”. Falou da profundidade de campo (a possibilidade de o espectador ver com nitidez a cena toda: o que está no primeiro plano e o que está lá no fundo). Pra chegar a tal efeito, nos anos 40, a iluminação tinha de ser absurdamente forte. Os atores derretiam.

Pois bem. Eu frequentei o curso do Inácio Araújo; a Patrícia, não. Na semana passada, com “Cidadão Kane” lá pela metade, resolvi dar uma de sabido. Perguntei pra Patrícia se tinha algo naquela cena que chamava a atenção. Ela, na lata, falou o que o Inácio Araújo tinha dito no curso. É por essas e outras que não canso de dizer que casei com uma gênia.

Aí, acho que no dia seguinte, estava passando um episódio da primeira temporada da “Família Soprano”. Vi a série antes de conhecer a Patrícia. Depois que nos casamos encaramos “Breaking Bad” e “Mad Men”. Sempre falei que a Patrícia tinha de ver “Família Soprano” pra completar a trinca das grandes séries da história. O que ela viu na semana passada bastou pra despertar a curiosidade. Acho que nossas noites serão ocupadas pela máfia de Nova Jersey nos próximos meses.

Vai ser curioso conciliar a bandidagem da turma do Tony Soprano com a maluquice dos livros do Thomas Pynchon. Entrei numas de ler tudo dele. Se fosse num outro momento, eu botaria no campo do exibicionismo. Falar de Thomas Pynchon dá um certo status. O pessoal acha que o que ele escreve é hermético. Eu acho que é pura diversão. Não conheço outra pessoa que case melhor literatura com desenho animado. Em vários momentos eu vejo uma afinidade absurda entre o Thomas Pynchon e o genial Tex Avery (criador do Droopy e de vários desenhos absolutamente malucos dos anos 40 e 50). Se bateu a curiosidade, é só ir pro YouTube e ver os desenhos. São maravilhosos.

Quando a gente vai chegando aos 50, acaba assumindo umas coisas que, por besteira, tentava disfarçar. Passei uns anos sendo meio esnobe na literatura, me levando muito a sério nas leituras e nos textos que ia escrevendo. Aí chega uma hora em que a gente se liberta e vai tocando o barco sem medo de ser feliz.

Lamento (mentira) não ter paciência para os romances “sérios”, que “tiram a gente da zona de conforto” (socorro). Eu sou meio palhaço, vim dos anos 80, gosto de besteira, de um monte de coisa brega, de gibi, de desenho, de Jaspion, dessas coisas. E é por isso que eu acho que o Thomas Pynchon é o cara. Melhor parar por aqui. Não quero brincar com a paciência do leitor.