Nelson Fonseca Neto
Nicotina
Quando eu era criança, fazíamos cinzeiros de argila que serviriam de presente para o dia dos pais. Os meus cinzeiros eram uma desgraça. Grandes, tortos, pesadões. Nunca me dei bem com ofícios manuais. Até hoje, quando pedem um desenho meu, aparece um boneco palito com cabeça redonda, parecendo um pirulito. Só faltam a casinha e o sol sorrindo. Mas não estou aqui para falar da minha falta de jeito.
Passei a minha infância vendo um grande número de adultos ao meu redor fumando. Todas as casas tinham cinzeiros. Lembro dos de cristal, pesadões, dos pequeninhos, de metal, que pareciam uns pratinhos. Tinha cinzeiro dentro do shopping e nos corredores do prédio onde moramos por muitos anos.
Peguei os estertores da época em que fumar no Cometa era permitido. Cada banco tinha um cinzeiro acoplado. Olho para as fotos das festas juninas e dos aniversários e vejo muita gente pitando o seu cigarrinho. Não cheguei a pegar o tempo que permitia o cigarro na sala de aula.
Não muitos anos atrás, as pessoas fumavam nas boates. Voltávamos das noitadas com as roupas impregnadas. Era chegar em casa e largar aquilo direto na cesta de roupa suja.
Muita gente da minha idade começou a fumar ainda adolescente. Minha geração, acho, fumou menos que a geração dos meus pais. De qualquer forma, era bastante gente. As novelas dos anos 80 e 90 mostravam os galãs e as beldades fumando numa boa. Não era vício de vilão, como acontece atualmente. Nos intervalos comerciais, tínhamos de lidar com propagandas de cigarro. Um notável festival de jazz aqui no Brasil era bancado por uma marca de cigarro. O carro do Ayrton Senna era um maço de quatro rodas.
Com tudo isso, comigo aconteceu algo atípico: comecei a fumar com quase trinta anos, já numa época de restrições ao tabagismo. Quando conto isso, as pessoas custam a acreditar. Quase sempre tenho de ouvir broncas. Ou perguntas: por que tão tarde? Não sei.
Passei alguns anos fumando uns vinte cigarros por dia. Ao longo desse período, tentei não ser invasivo. Houve uma época em que os restaurantes tinham uma área para fumantes. Só que era dentro do salão. Eu achava ridículo. O cheiro chegava de qualquer jeito até as mesas dos que não fumavam. Eu fazia questão de acender meu cigarro lá fora, bem longe dos que estavam comendo.
Por não querer atrapalhar, minha cara, ao fumar, revelava um certo constrangimento. Eu ficava admirado com os fumantes que acendiam o cigarro numa boa. Vai ver que era por isso que as pessoas olhavam torto, sem receio, para mim. Ali estava um sujeito com culpa no cartório (eu).
Quem para de fumar acaba ficando meio fanático e sai falando horrores do cigarro. Conheço ex-fumantes que não toleram o cheiro da fumaça. Espinafram os que ainda não descobriram a vida virtuosa. Também conheço ex-fumantes que jogam no outro time: sempre falam das delícias da vida tabagista.
Parei de fumar em janeiro de 2021. Não foi de repente. Eu não conseguiria parar assim. Fui diminuindo ao longo de alguns meses. De 20 pra 15. De 15 pra 10. De 10 pra 5. De 5 pra 3. De 3 pra 1. De 1 pra meio. Aí ficaria meio ridículo pegar uma tesourinha minúscula e cortar um toquinho de nada.
Sinto falta de fumar? Quase nunca. A pessoa pode fumar perto de mim? Sim. Não filarei um cigarro, não farei cara de nojo. Eu ia dizer que o nome disso é sabedoria, mas soaria pedante demais.