Nelson Fonseca Neto
Embalos de sábado à noite
Num sábado recente, à noite, o João Pedro já dormindo, a Patrícia e eu estávamos vendo televisão. Pra falar a verdade, estávamos percorrendo as centenas de canais que a TV a cabo oferece.
Depois de ficarmos alguns minutos vendo leilão de boi, leilão de pulseira, culto religioso, noticiário japonês (uma das minhas ocupações prediletas), topamos com os créditos iniciais de “O exterminador do futuro”. De vez em quando a vida dá uns presentes pra gente.
Apesar de termos a mesma idade, a Patrícia não conhecia o filme. Tive de perguntar: você estava congelada naquela época? Como alguém da nossa geração nunca viu tamanha maravilha?
Conforme o filme caminhava, eu ia reproduzindo com exatidão os diálogos. Estávamos vendo a versão dublada, a mesma que marcou a minha infância. A Patrícia perguntou se era assim com todos os filmes. Não, ainda bem.
Só com alguns filmes que passavam exaustivamente nos anos 80. “Robocop”. “Warriors”. “Um príncipe em Nova York”. “Rocky IV”. Grandes filmes, diga-se de passagem. É que também não tinha muito pra onde correr. As locadoras davam seus primeiros passos. TV a cabo era algo que só rolava nos EUA.
Então a molecada tinha que se virar com o que tinha à mão. Impossível não decorar as falas do “Exterminador do futuro” depois de ver a coisa umas duzentas vezes. A mesma coisa pro treino do Rocky Balboa pra luta contra o Ivan Drago.
Isso tudo pra dizer que, aqui em casa, não conseguimos tirar os olhos do “Exterminador do futuro” que passava na TV a cabo. A Patrícia: não é que é bom? Eu: bom? É uma obra-prima. Acho que não estou exagerando. Talvez um pouco. Sei lá.
Éramos felizes e não sabíamos nos anos 80? Não sei responder. Eu era criança naquela época, e criança não fica perdendo tempo com essas reflexões cabeçudas. Mesmo assim, se eu for comparar, dava pra perceber uma coisa óbvia: tinha muito menos opções de consumo. Até hoje eu vejo uma daquelas latas compridas de batata frita e penso: no meu tempo, a gente ganhava de presente de alguém que viajava pra fora do Brasil. Só faltava guardar no cofre.
Talvez seja ranheta da minha parte, mas vamos lá: a gente valorizava mais as coisas. Éramos melhores, mais evoluídos, maduros? Não, é simples: acabou, acabou. Se as batatas fritas da lata fossem devoradas em alguns minutos, diante da televisão, bau, bau, um abraço. Trampo enorme conseguir outra lata.
Eu já disse aqui que o meu coração mora nos anos 80. Fui moldado ali, pro bem e pro mal. É por isso que encano com umas coisas atuais. Havia uma diferença nítida entre mundo da criança e mundo do adulto. Aí eu vejo um monte de gente madura jogando joguinho de criança.
Ou apostando no tal jogo do tigrinho. Apostando os tubos e caindo em conversa de influencer golpista. Aí não tem jeito: a nostalgia é sinal de sanidade mental.