Nelson Fonseca Neto
O bom freio
Vocês já devem ter ouvido um milhão de vezes: os opostos se atraem. Balela, desnecessário dizer. Funciona, quando muito, na novela das 7. A velha história: o rapaz e a mocinha passam um punhado de capítulos se engalfinhando e terminam casados.
O ideal, então, é a concordância plena? Balela também. Bem estranha aquela história do casal que diz: somos um só. Conversa pra boi dormir. Inviável viver assim.
Fiquemos com o bom e velho caminho do meio. Concordar nas questões fundamentais, discordar nos pontos menores.
(Releio os três primeiros parágrafos deste texto e sinto desgosto. Saíram sisudos, em tom de aconselhamento. Deus me livre. É que eu queria criar uma introdução para um caso engraçado envolvendo a Patrícia e quem assina esta coluna. Fiquei com receio de ir direto ao ponto e tudo ficar com jeitão de anedota boba. Falta tempo para reescrever o que saiu até aqui. Que os leitores perdoem.)
Houve uma situação interessante protagonizada pela Patrícia e por este cronista. Aconteceu muitos anos atrás. Nem éramos casados. Vivíamos falando sobre móveis antigos, de como eles eram maravilhosos. Convergência maior que essa, impossível.
Então fomos a um antiquário. Ótimo estabelecimento, bem fornido, peças de tudo quanto é tipo. Cristaleiras, cadeiras de balanço, escrivaninhas, mesas de jantar, namoradeiras, canetas, xícaras, bules, máquinas fotográficas. Vontade de passar horas ali.
E ali, no antiquário, a convergência foi se transformando em divergência. Eu olhava para aquelas coisas todas e pensava: se eu fosse muito rico, compraria tudo. Eu já me via escrevendo numa mesa gigantesca, cheia de gavetas. Nas horas vagas, pensando na vida aproveitando a cadeira de balanço. Uma voltinha pela cozinha, tomando café numa daquelas xícaras cheias de arabescos.
Cometi a besteira de falar disso para a Patrícia enquanto eu lambia aquelas maravilhas com os olhos. Eu estava convicto de que ela diria: eu também, meu amor, eu também!
Só que ela fez uma cara de assustada. Perguntei: não está de acordo, minha doce amada? Ela: claro que não, moço formoso!
E ali ela iniciou um articulado discurso no qual disse admirar de longe, bem de longe, móveis antigos e coisas usadas. Não o reproduzo aqui porque a palavra escrita enfraqueceria a eloquência do que fora dito no antiquário. Uma bela síntese: “Credo, encostar a boca numa xícara dessas! E se uma tragédia ocorreu num quarto ocupado por esses móveis?”. Foi algo puxado para o macabro, como vocês podem notar.
Os anos correram, e estamos casados. Não há relíquias em nosso apartamento. Acho que a Patrícia sempre esteve com a razão. Se seguíssemos meu ímpeto, moraríamos num mausoléu. Eu perambularia pelos cômodos trajando roupão, fumando cachimbo, lendo romances do século 19.
Convenhamos: a amada Patrícia e o inocente João Pedro não merecem passar por um perrengue desses.