Nelson Fonseca Neto
Passos pra trás
Dia desses um aluno disse ter certeza de que eu abomino a internet e o telefone celular. Não abomino. Acho que são criações notáveis. Facilitam sobremaneira nossas vidas. Eu apenas faria alguns ajustes.
Gosto de ver jogos antigos de futebol no YouTube. Como seria a minha vida sem isso? Certamente mais enfadonha. Não consigo acompanhar os jogos de hoje. Tudo muito rápido, protagonizado por brucutus. Bem que eu tentei. Ainda acompanho as mesas-redondas, por devoção ao hábito.
Outra coisa notável da internet: o Portal Brasileiro da Crônica. A internet já teria valido a pena se só tivesse dado a nós o Portal Brasileiro da Crônica. Milhares de textos dos nossos melhores cronistas. Tudo bem arrumadinho. Textos introdutórios esclarecedores. Passo um tempão garimpando aquilo.
Mas eu acho que a internet ficaria melhor se banisse as redes sociais. Valeu a tentativa. Até que começaram meio engraçadinhas. Depois virou show de horrores, circo do grotesco. Tem hora em que a gente deve colocar a bola no chão e dizer: beleza, já deu o que tinha que dar.
A internet também ganharia se fossem banidos os comentários nas páginas de notícia. A ideia inicial até que foi boa: dar voz aos leitores. Depois virou rinha de galo. Uma sessão de constrangimento. Retrato triste do que nos tornamos (ou do que sempre fomos, vai saber). Bate um desânimo imenso quando a gente gasta uns minutos lendo os comentários. As pessoas que arrumem outra forma de desopilar o fígado.
(Não é exatamente o território da internet, mas vamos lá. Rádios e televisões também poderiam banir a participação do ouvinte e do telespectador. Levando o João Pedro pra escola, ouço uns horrores na rádio. Quase sempre eu acho que é personagem do Chico Anysio fazendo graça. Depois eu vejo que é só o clássico “cidadão indignado”, aquele que sabe como resolver os problemas mais complexos de nossa sociedade com ações rápidas e rasteiras.)
Sobre o telefone celular: coisa mais maravilhosa! Só não precisava ter câmera. Pior ainda quando o sujeito tem a chance de inverter a câmera e fazer “selfie”. Aí é caminho sem volta. O cara faz a “selfie”, depois ele acha que tem algo interessante a dizer. Então ele vira “influencer”. Uma convicção: o mundo ficaria melhor sem a figura do “influencer”. Esse pessoal que vá achar outra coisa pra fazer.
Não estou dizendo que as pessoas não poderiam ter câmeras fotográficas ou filmadoras. Ainda hoje olho feliz para as fotografias que estão na casa dos meus pais. Seria exagero defender a volta dos aparelhos que só dependessem do filme pra funcionar. Pode ser digital mesmo. Mas tudo ficaria restrito ao aconchego do lar. Quando bater a vontade de ver as fotos, é só conectar a câmera à TV e colocar a nostalgia pra galopar célere.
Eu era vidrado em câmeras na minha infância. Naquela época, quando tinha aniversário, a pessoa que estava com a câmera tinha que ser franco-atiradora. Tinha um visor que mostrava quantas fotos ainda dava pra tirar. Não havia margem pra desperdício. Não era a festa da uva que é hoje.
E era legal também comprar a filmadora através do consórcio. A câmera era cara e inspirava cuidado. Assim, a gente valorizava aquelas imagens que eram capturadas. Lembro com muito carinho de vídeos que a minha família fez de aniversários.
O mais legal: as fitas ficavam em casa, para apreciação de poucas pessoas. Chatice? Não, recato. Algo que faz uma falta danada atualmente. “Recato”: vem de “recaptare” e significa “resguardar-se”, “defender-se”.