Nelson Fonseca Neto
Ora, bolas!
Por que esconder que o futebol teve um peso fundamental na minha vida? Teve, não tem mais, e acho isso triste. Não vou gastar muitas linhas lamentando o que se foi. A vida é assim mesmo, mas ninguém me tira da cabeça que o futebol jogado hoje é pior do que o jogado entre o final dos anos 80 e o início dos anos 90.
Hoje é fácil tirar a prova. Basta acessar o Youtube. Lá o fanático encontra várias partidas, na íntegra, daquela época. Hoje os jogadores são dotados de um preparo físico absurdo, e não poderia ser de outro modo. É raro encontrar jogador franzino. Quase todos são uns armários. As trombadas de hoje são assustadoras. Os atletas são mais rápidos atualmente, e isso faz com que o campo pareça menor. É por isso que perto da bola sempre estão três ou quatro brucutus.
Falo da compleição física dos jogadores de hoje, e nem gastarei meu tempo estabelecendo comparações de técnica ou de habilidade. Seria covardia. Acho que, aqui, não serei acusado de nostálgico intransigente. Abundam exemplos, mas fico com um: o gol do Muller, no Morumbi, em 1993, no jogo em que o São Paulo eliminou o Flamengo no mata-mata da Libertadores. Procurem o vídeo e reparem no passe, de primeira, do Palhinha. Impossível encontrar algo do tipo no jogo dos fortões de hoje.
Pronto: falei que não gastaria muitas linhas me lamentando e não estou fazendo outra coisa que não chorar pelas glórias pretéritas. Hora de parar com isso e trazer algo menos melancólico. Falemos de bolas, uma vez que esta crônica é escancaradamente futebolística.
Antes, porém, mais um pouco de ranhetice: estava eu, noite dessas, vendo um jogo na TV a cabo. Não me lembro dos times. Só sei que era no Brasil e que a iluminação do estádio não era ruim. Nos primeiros momentos, fiquei assustado: eu mal enxergava a bola. Logo vi que meus olhos não estavam me traindo. Os organizadores do campeonato escolheram uma bola prateada para um jogo noturno. Tento imaginar o drama para os jogadores. Mas sigamos.
Gosto da bola branca e da chuteira preta. A frase soa careta, mas não posso fazer nada. Deixemos a chuteira pra uma outra ocasião. Sei que algum leitor poderá pensar: vai pensar que as bolas de antigamente eram melhores? Melhores eu acho que não. Parece que as de hoje não ficam pesadas por causa da chuva forte. As dos anos 80 e 90 ficavam. Então ponto para a tecnologia das bolas. Mas elas ficaram mais feias.
Algumas bolas marcaram minha infância e a minha adolescência. Falarei de três: a da Copa de 86, a da Copa de 90, a da Supercopa da Libertadores de 93. As duas primeiras da Adidas e a última da Penalty. Elas eram lindas, brancas, com uns detalhes pretos estilosos. Na verdade, eram bolas que pertenceram a mim e ao meu irmão. Meus pais, sempre generosos, providenciaram essas maravilhas. Lembro com gloriosa nitidez dos momentos em que ganhamos as três bolas. Alguém disse que nossas boas lembranças da infância podem nos salvar na hora do aperto, e acho isso verdadeiro.
Para além da beleza, as três bolas eram boas de chutar. Macias, faziam um barulho gostoso, a gente se sentia meio craque quando jogava com elas. Interessante como todo peladeiro convicto já viveu seus momentos de craque. Como eu era mais pra esforçado, esses momentos eram raros, mas quando eles vinham, faziam tudo valer a pena. Esses lampejos estão ligados às três bolas.
A prudência deveria apontar para o óbvio: bolas tão boas só poderiam rolar na grama. A prudência apontava, mas o fervor futebolístico fazia com que as estimadas bolas enfrentassem o piso do apartamento em que morávamos e o cimento (quase uma lixa) da quadra na qual jogávamos quase sempre. Rapidamente aquelas belezuras ganhavam arranhões e seus arabescos iam desaparecendo. A gente lamentava a imprudência quando as primeiras marcas apareciam, mas a alegria do jogo nos consolava logo.
A gente aprende muito com o futebol.