Nelson Fonseca Neto
Menos poeira
O ideal seria o seguinte: abrir este texto dizendo que continuo frequentando regularmente as livrarias da cidade. Já fui bom nesse negócio de passar parte do meu tempo em livrarias. Fui bom, não sou mais. Faz alguns anos que isso está acontecendo, mas só agora parei pra pensar a respeito. Antes de sentar diante do computador, tentei colocar a bola no chão e pensar friamente no assunto. Acho que encontrei algumas explicações.
A primeira delas é a econômica. Passei boa parte da minha vida de leitor criticando os que diziam que o livro no Brasil é caro demais. Eu implicava com gente que gastava horrores no restaurante japonês ou no bar mas chorava as pitangas na hora de comprar um livro. Continuo achando esse pessoal meio besta, mas reconheço: o livro está caro.
Não é subjetividade. É só bater os números. Eu posso garantir que muitas editoras promoveram aumentos que superaram largamente a inflação. Maldade? Sadismo? Não: estratégia. Os preços antigos não promoviam um incremento nas vendas. Decidiram que o aumento no valor unitário aumentaria a margem de lucro. Não é um raciocínio estúpido, mas traz como consequência o óbvio: o livro ficou bem mais caro.
Um exemplo recente que pode ser destacado: o livro em que Bob Dylan reuniu ensaios sobre músicas emblemáticas do século 20. É um livraço. A versão impressa é caprichada, repletas de fotos sensacionais. Quando peguei o livro no ano passado, numa das livrarias da cidade, pensei: já era, vou comprar. Passei no leitor de barras e achei que meus olhos estavam me traindo: quase duzentos reais. Perguntei ao vendedor: é isso mesmo? Era aquilo mesmo. Saí cabisbaixo. Acabei comprando a versão eletrônica para o Kindle.
E isso traz à baila um outro aspecto relacionado ao âmbito econômico. O Kindle é o livro eletrônico da Amazon. A Amazon, como muitos de vocês sabem, sempre chega quebrando a banca. Vende produtos de tudo quanto é tipo. Não sei se acontece em outras áreas, mas no mundo dos livros a Amazon, quase sempre, oferece preços muito agressivos. É covardia comparar com os preços das livrarias tradicionais.
Sempre que compro um livro físico na Amazon ou baixo um livro eletrônico pro Kindle, bate um sentimento de culpa. Puxa vida, já fui dono de sebo, tenho ótimas memórias em livrarias, acho que a cidade ideal deve ter uma livraria em cada esquina. Quem me conhece sabe que não estou fazendo firula, mas não sou magnata, os recursos são finitos, vida de professor não é vida de influencer, essas coisas. Escrevi este parágrafo pra deixar registrado que ainda tenho um coração e não uma pedra de gelo batendo no peito. Vamos torcer para o livro físico voltar a ter preços menos salgados. Acho improvável.
Enquanto escrevo isto aqui, fiz uma pausa de alguns minutos para conferir, no meu perfil na Amazon, se venho comprado muitos títulos ultimamente. Vi, surpreso, que a quantidade foi menor do que eu imaginava. Nova pausa para pensar na situação. Demorou uns dois minutos, mas posso cravar: os lançamentos editoriais vêm sendo menos atraentes. Ainda tenho o hábito de fuçar, todos os meses, as páginas das principais editoras na internet. Antes era meio alucinante: eu me interessava por uns três ou quatro livros de cada editora. Agora, não. Um ou outro livro, somando todas as páginas, quando muito.
Mudaram? Mudei? Sim, para as duas perguntas. Acho mesmo que caiu o nível geral. E acho que estou ficando mais marrento. Como dizem os analistas de atualidades: é a tempestade perfeita.