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Nelson Fonseca Neto

Laboratório

29 de Fevereiro de 2024 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Somos ridículos. Não há quem escape. Quem se leva a sério não entendeu que apito a vida toca. Uma coisica de nada revela nossa fragilidade, nosso cômico involuntário. Por isso o sujeito que banca o salvador do mundo é prato cheio para os humoristas. Vamos a algumas anedotas protagonizadas por este que vos escreve.

Coisa de algumas semanas atrás, tive de ir ao laboratório duas vezes para levar os exames de fezes e de urina do João Pedro. Primeiro levei o de urina. Cheguei ao balcão de informações e disse em voz alta: vim trazer o exame de urina. Eu parecia um arauto. Não falei que era do meu filho. Exame de urina não rende constrangimento. Fui encaminhado até a sala de coleta. Tudo dentro do roteiro.

Dias depois tive de levar o de fezes. Aí o arauto gritão deu lugar ao tímido dos sussurros. No mesmo balcão de informações, murmurei: Vim trazer o exame de fezes do meu filho. Um detalhe: enfatizei o “do meu filho”. Na sala de coleta, repeti: vim trazer o exame de fezes do meu filho. Pra deixar claro. Depois que saí, pensei: eita, vida besta!

Aí vocês sabem como as coisas funcionam: uma coisa puxa outra, e acabei lembrando, no terreno da medicina, de um outro momento pitoresco.

Isso se deu há muitos anos. O João Pedro ainda não estava no radar. A Patrícia e eu fizemos os exames necessários para quem deseja ser mãe e pai. Tudo indo muito bem. Até a hora de me deparar com o espermograma.

Dos píncaros da minha ingenuidade, achei que a coleta para espermograma funcionava da seguinte forma: eu retiraria o potinho do laboratório; levaria o potinho para casa; encheria o potinho; levaria o potinho de volta. Eu achava que era que nem exame de urina ou de fezes.

Mas não. O potinho deveria ser enchido no próprio laboratório. Quando soube disso, pensei: lá vem a vida pregando mais uma peça. Pensei e fiquei quieto. Não quis bancar o neurótico. Pensamento positivo, e vamos que vamos!

No dia da coleta, a atendente mostrou onde era a sala. Mostrou a televisão. Falou que, se eu quisesse, eu poderia ver um filme estimulante. Antes de cogitar ligar a televisão, olhei para a parede. Por alguns segundos pensei que estava delirando. A parede estava repleta de desenhos de coelhinhos, graminha, passarinhos, joaninhas. Um sol sorridente, parecido com o do desenho do “Mundo Bita”. Depois pensei que era pegadinha. E finalmente: vai ver foi engano.

Não era engano. Se fosse engano, a atendente viria, envergonhada, dizendo: senhor, senhor, sala errada, desculpe, é por aqui. Como ela não apareceu, tive de lidar com o óbvio: houve, naquele laboratório, um remanejamento de salas e não deu tempo de fazer as devidas adaptações. Não que eu esperasse espelho no teto e luz roxa, mas desenhinho de sol sorrindo era demais. Respirei fundo, decidi ignorar os desenhos, liguei a televisão. Eu me recuso a descrever as imagens. Ainda restou um pouco de noção em mim.

Bom, aceleremos. Minha disciplina mental fez com que a minha ida ao laboratório não tivesse sido em vão. Deu tudo certo. O João Pedro está aqui. E eu escrevo este registro que atesta como somos personagens de uma enorme, monumental comédia.