Nelson Fonseca Neto
Grandiosidade
Não encontro esse zelo e essa alegria de fazer uma coisa grandiosa nos dias de hoje
Eu estava caminhando na semana passada e me deparei com uma sorveteria nova perto de casa. Já estava tarde, e não pude ver como eram as coisas lá dentro. Não tem problema, pois a fachada já me deixou feliz.
Cansei de dizer aqui que sou apreciador de sinédoques. Lembrando: a sinédoque é a figura de linguagem em que a parte representa o todo. Acreditem: a gente, quando pega gosto pela coisa, vicia no jogo de pegar um pedaço e fazer, com ele, relações complexas. Ajuda a passar o tempo, o que não é pouca coisa.
Mas voltemos à fachada da sorveteria. Ela estava tomada por desenhos exagerados de sorvetões e caldas escorrendo pelas taças. O desenhista não quis deixar marcas de refinamento. Ele enfiou o pé na jaca. Gosto quando isso acontece.
É que hoje uma praga assola a humanidade: a elegância despojada. Muitos são os casos, mas continuemos no universo das sorveterias. Parece que alguém decretou que as sorveterias não podem recorrer a cores chamativas. E, assim, nossos olhos são tomados pelo azul desbotado ou pelo marrom pálido. Os móveis fariam a felicidade de um cidadão dinamarquês. (Na Dinamarca, gastar os tubos com móveis estilosos é algo corriqueiro.)
Vocês não fazem ideia de como fico transtornado quando topo com propagandas de perfumes chiques na TV a cabo. Para quem tem a felicidade de ignorar como essas peças macabras funcionam, explico: um casal esquálido, em poses lânguidas, troca carícias numa praia deserta ou num quarto de hotel na penumbra. Não tem historinha ou algo que chegue perto disso. Aí surge uma voz sobrenatural falando o nome do perfume. E pronto. Fim.
Já fiz o levantamento: dificilmente os perfumes caros abrem mão dessa publicidade. Eu sou meio rústico, reconheço, e por isso acho essas coisas tolices monumentais. Se ficasse só no mundo dos perfumes caros, tudo bem. Mas parece que esse jeito “cool” de ver as coisas foi se espraiando para outros domínios.
E aí bate forte a saudade dos anos 80. Eu sei, eu sei, tinha hiperinflação, tabelamento de preços, mignon sendo vendido clandestinamente e um monte de outras coisas chatas. Mas as pessoas não tentavam bancar as finas, por exemplo, em festas de aniversário infantis.
Bolos e doces ilustram o que estou tentando dizer. Atualmente vivemos a ditadura do bolinho mixuruca nas festas infantis. A maldita pasta americana gera umas esculturazinhas bobas. E os docinhos, cheios de fricotes, acompanham o desastre. Tudo em nome da sofisticação.
Minha mãe, que faz uns doces maravilhosos, criava uns bolos exuberantes nos anos 80. Num dos aniversários, ela fez um bolo gigantesco imitando um campo de futebol. Tinha a parte verde imitando a graminha, tinha travinhas, bolinha e bonequinhos dos dois times. As pessoas ficaram um bom tempo contemplando aquela maravilha. Depois acabaram com tudo, porque, além de bonito, aquilo estava delicioso.
Não encontro esse zelo e essa alegria de fazer uma coisa grandiosa nos dias de hoje. William Blake dizia que a estrada do excesso conduz ao palácio da sabedoria. É por isso que recordo comovido as festas de antigamente. E é por isso que irei conhecer a sorveteria da fachada exuberante assim que tiver um tempinho.