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Nelson Fonseca Neto

O reclamão

Falemos, ainda que rapidamente, de preferências. Sou fervoroso defensor das sextas-feiras

18 de Janeiro de 2024 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Não me conformo quando alguém diz que o domingo é seu dia preferido. Tenho para mim o seguinte: o domingo não serve para ser desfrutado; ele está ali para ser atravessado, tolerado, suportado. Até dou uma colher de chá para quem diz gostar das manhãs de domingo. Zero de compreensão para os que se sentem bem a partir das onze da manhã.

Pouca gente nas calçadas. As lojas do centro fechadas. Fregueses morosos na padaria, arrastando seus chinelos. A programação horripilante na televisão. E olha que gosto de ver televisão. Juro que nunca consegui aguentar mais de dois minutos esses programas que promovem concurso de cantores amadores. Vale o mesmo para os filmes que começam perto de uma da tarde.

Dia desses, a Patrícia comentou que se sente especialmente alegre na quinzena final de dezembro. Eis a prova que o amor sobrevive na diferença. É que a quinzena final de dezembro, para mim, é um terror. Já disse várias vezes por aqui que não lido bem com o calorão. Tem também a xaropada de propagandas enaltecendo a nossa bondade.

Alguém dirá que eu me tornei um adulto amargo. Quando criança, eu já não achava a quinzena final de dezembro lá grandes coisas. Digo isso e já esclareço: não por culpa da minha família, que sempre foi muito amorosa e acolhedora. Como diz o canalha que termina um relacionamento e quer sair como o bonzinho da história: o problema está em mim.

Não sei explicar a minha aversão, na infância, aos dias finais do ano. Em condições normais de temperatura e pressão, a criança só está ali para desfrutar as festas. Ela não precisa se esfalfar com os preparativos. Ela não precisa demonstrar animação quando está caindo de sono. É só se aninhar num sofá qualquer e pronto, tudo certo.

Agora que sou adulto, meu incômodo pode ser explicado mais concretamente. Já faz algum tempo que orgias gastronômicas não me atraem. Quando vejo que o dia 24 de dezembro está chegando, vou ficando meio aflito com a perspectiva das travessas com carnes, massas e doces. A aflição aumenta quando penso que tem a ceia e o almoço no dia seguinte. E que isso se repetirá na semana seguinte, na virada de ano.

Eu gosto de comer. Gosto tanto que preciso recorrer à disciplina para manter o peso. Se bobear, a coisa desanda. Ainda traço, de vez em quando, uns bifes à milanesa. Sexta-feira eu mergulho de cabeça no mundo dos doces. Mas o interessante é que passei a valorizar os legumes bem preparados. Tornei-me um devorador de frutas. Melhor parar por aqui. Daqui a pouco começo a falar que nem coach de vida saudável.

Só cometi (o verbo é esse mesmo) o parágrafo anterior para dizer que não tenho mais pique para aguentar o ritmo pantagruélico do final de ano.

Gastei boa parte do texto de hoje mostrando minhas aversões, e por isso gostaria de, no final, deixar registrado que não sou tão azedo assim. Falemos, ainda que rapidamente, de preferências. Sou fervoroso defensor das sextas-feiras. Até que me dou bem com as segundas-feiras. Fico mais feliz nos dias que antecedem o Carnaval. Vou entrando no ritmo.

No ritmo de ficar no aconchego do lar, dando umas olhadas nos desfiles das escolas de samba e vendo as baixarias nos bailes das celebridades.

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