Nelson Fonseca Neto
Viver perigosamente
Faz tempo, muito tempo, participei de uma dinâmica de grupo numa das escolas onde eu trabalhava. Não darei nomes, então ninguém pode se sentir melindrado. Na tal dinâmica de grupo, lá pelas tantas, a pessoa que comandava o processo pediu para cada participante se definir em poucas palavras. Não me lembro do que falei naquele momento. Certamente foi algo inventado para não passar vergonha. Curiosamente, hoje eu consigo me definir em poucas palavras: tenho medo de algumas comidas.
Não consegui dizer isso na época da dinâmica porque eu era mais destemido no quesito alimentação. Eu encarava sanduíches na madrugada sorocabana sem grandes dilemas. Muitos desses lugares eram, digamos, meio avoados quando o assunto era higiene. Claro que, de quando em quando, o corpo sentia. Naqueles anos, entendi na prática do que a giardíase é capaz. Você se sente virado no avesso. Não recomendo a experiência.
Naquela época ainda, final dos aos 90 e começo dos anos 2000, tive de lidar com outros episódios causados pela alimentação imprudente. Quando ia à praia, eu consumia aquelas raspadinhas que todos vocês conhecem. Batia também uma pratada de camarão. Eu não olhava torto para maionese.
E assim eu ia tocando a vida. O sinal de alerta acendeu quando eu tive de pegar um ônibus da Viação Cometa para ir a São Paulo numa manhã chuvosa de segunda-feira. Na véspera, eu tinha comido alguns pedaços de torta de camarão. Confesso que senti um gosto meio azedo entre uma garfada e outra, mas segui em frente. Pensei: vai ver é um retrogosto pitoresco.
Dormi bem naquela noite. No ônibus, perto de Alphaville, o trânsito parou, como sempre. Garoava lá fora. O sujeito ao meu lado roncava. Um fio de baba se desprendia de sua boca. De repente, senti uma fisgada no ventre. Não sei como é agora, mas naquela época os ônibus da Cometa não eram equipados com banheiro. Restava ao incauto orar, pensar positivo, distrair o pensamento, ignorar a tragédia que se avizinhava.
No meu caso, não deu certo. Foi catastrófico, e poupo os leitores dos detalhes escatológicos. Sigamos.
Hoje a minha covardia alimentar é poderosa. Acho que foi nos anos 90 que saiu um texto sobre a vinda de Michael Jackson ao Brasil. Lá pelas tantas, o repórter registrava que o astro trazia consigo pessoas que fiscalizavam as cozinhas dos restaurantes que ele escolhia para suas refeições. Na época eu julguei ridículo. Hoje eu julgo necessário. Só não faço a mesma coisa por falta de alguns milhões de dólares na conta.
Claro que a maneira como passei a encarar os alimentos trouxe consequências. Sou rotulado de chato pelas pessoas mais próximas. Talvez eu exagere em muitas ocasiões, mas acho que estou com a razão em outras. Que os leitores tirem suas conclusões a partir de dois exemplos que faço questão de trazer.
Exemplo 1: casamento numa chácara, sábado, meio-dia, verão. Chegamos e nos deparamos com uma suntuosa maionese no centro de uma das mesas. É de se supor que aquilo estava naquela posição há bastante tempo. Na hora eu pensei: será uma armadilha? Depois: alguém será capaz de consumir aquilo? Não era armadilha, e boa parte dos convidados mandou ver na maionese. Não pude verificar quantos passaram mal. Imagino algo em torno de 100%.
Exemplo 2: casamento à noite, salão de festas, calor. Uma das opções do jantar: sashimi. Reparei que os pedaços de peixe ficaram um bom tempo ali, sem refrigeração, expostos aos perdigotos dos convidados famintos. Uma pessoa bem, bem próxima, arriscou fazer uma incursão pela culinária japonesa naquela situação adversa. Passou mal. Não revelo o nome todo da tal pessoa. Basta dizer que começa com “Pa” e termina com “trícia”.
E assim vamos levando a vida. Se você um dia me convidar para um churrasco (espero que não convide; estou bem no meu canto), não fique ofendido quando eu recusar a maionese. Como diz a pessoa que quer terminar um relacionamento: o problema não está em você; está em mim.