Nelson Fonseca Neto
Um pra cá, um pra lá
Sabemos que a vida boa é a vida variada, e que cada cabeça, uma sentença
Tentei, no texto da semana passada, mostrar que um traço constante da humanidade é o saudosismo. As coisas tendem a ser distorcidas no saudosismo. Ao mesmo tempo, eu disse que algumas coisas de fato pioraram.
Um exemplo de coisas que pioraram: o advento das redes sociais. Só que uso mal o espaço de que disponho aqui, e tudo descambou para digressões inadequadas. Encerrei o último texto prometendo ser mais organizado e tratar daquilo que melhorou e daquilo que piorou, sem firulas retóricas. Sem reflexões supostamente eruditas. Em suma: entregar um arroz com feijão digno, bem temperadinho. Para que isso ocorra, recorrerei ao seguinte método: cada parágrafo, daqui em diante, esmiuçará um exemplo.
Carro. Pode até haver debates acalorados acerca do design dos automóveis. Estética é algo complicado mesmo. Considero o Del Rey uma lindeza. Acho que ele dá de dez a zero em um monte de carro cheio de empáfia que circula por aí. Todavia, não posso dizer que os carros de hoje são menos confortáveis ou mais inseguros que os de outrora. Então, fazendo as contas, podemos dizer que o automóvel melhorou bastante.
Moto. Sou contra a existência de moto. Fica complicado dizer se acho que houve evolução ou não neste quesito.
Telefone celular. Quando se limita a fazer e receber chamadas, é um avanço tremendo. Tudo se avacalhou quando o telefone celular incorporou a câmera e as redes sociais.
Futebol profissional. Piorou. Os atletas, hoje, são uns tanques. A bola corre mais rapidamente no gramado. Temos de ver muito mais encontrões. Acho, enquanto espectador, muito mais difícil lidar com as partidas frenéticas. Alguém poderia dizer: mas o problema não está em você? Certamente está, mas de vez em quando a gente coloca a culpa em outrem.
Construção civil. Piorou. A casa do cidadão deveria ser o templo da intimidade. Nada mais aconchegante que a penumbra. E o que temos atualmente? Vidro, portonas, essas coisas. A casa tenta ser um mini shopping center. Qual o meu conhecimento arquitetônico para dizer essas coisas? Zero. De vez em quando a gente solta uns palpites.
Dietas. O de sempre. A dieta maravilhosa de hoje é a que será espinafrada amanhã. Passei um bom tempo ouvindo que o ovo é o veneno que dizimará a humanidade. Hoje o ovo é a maravilha redentora. Acho bem boa essa guinada. Sou fã do ovo. Brinco com a Patrícia: eu viveria tranquilamente à base de ovo mexido e queijo quente. Brinco, mas torço para alguém decretar que a combinação de ovo mexido com queijo quente faz a pessoa virar um azougue.
Livro eletrônico. Passei boa parte da minha vida dizendo que o cheiro do papel é insubstituível; que só consigo ler segurando o livro tradicional; essas coisas; até que tive de providenciar o transporte de milhares de livros do ponto A ao ponto B. Aí os sonhos típicos dos Jetsons ganharam corpo. Então acho que tivemos avanços por aqui.
Nossa lista poderia avançar bastante, mas paramos por aqui. Não elencamos os tópicos acima com a alma tomada pela arrogância. Sabemos que a vida boa é a vida variada, e que cada cabeça, uma sentença. Assim, que o leitor fique à vontade para exprimir sua divergência. Por fim, gostaria de deixar meu agradecimento à pessoa que, lá atrás, inventou o parágrafo. Santo parágrafo, que salva os cronistas enrolados!