Nelson Fonseca Neto
A fila anda
Sem enrolar: as redes sociais são as minhas baleias. Nem sempre foi assim. Passei um bom tempo encarando-as como algo meio divertido, meio bobo
Reverenciar o passado é uma mania que assombra a humanidade desde sempre. Não importa a época, surge alguém dizendo que o presente é decadente, uma porcaria, e que o passado, próximo ou remoto, era uma maravilha. Falo por mim: algumas coisas pioraram mesmo, mas outras melhoraram.
(Sempre importante registrar: o leitor não precisa concordar com o cronista nos pontos elencados a partir de agora.)
Você conhece a história de “Moby Dick”, de Herman Melville? É um dos romances mais espetaculares já escritos. Vale muito a pena tentar a empreitada e ler o tijolão. Muita gente conhece o argumento básico do romance: o capitão Ahab atravessa os mares em busca da baleia Moby Dick. Falando assim, parece apenas a história de um pescador meio insistente.
Só que Herman Melville é craque na arte de transformar histórias de aventuras em histórias que simbolizam a luta do Bem contra o Mal. É por isso que, em vários dos seus textos, a gente se depara com algumas personagens e pensa “opa, meio satânica essa figura, não?”. Isso tudo para dizer que Moby Dick mostra um sujeito (Ahab) que odeia outro ser (a baleia).
(Olhando para a tela do computador, reparo que estou seguindo por uma trilha perigosa ao mencionar “Moby Dick”. Como o tempo urge e ruge, não apagarei a referência literária. Voltemos ao assunto colocado no primeiro parágrafo.)
Sem enrolar: as redes sociais são as minhas baleias. Nem sempre foi assim. Passei um bom tempo encarando-as como algo meio divertido, meio bobo. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Eu fui ficando meio chato de uns anos para cá. Antes que o leitor pense “senta, que lá vem história”: não trataremos, aqui, dos meandros políticos ou sociológicos das redes sociais. O lance é mais pessoal mesmo. Que as pessoas dadas a análises mais densas me perdoem.
Sou disciplinado para algumas coisas, e uma delas é a academia. Dando uma de Charles Dickens (“Uma canção de Natal”), digo que o Neto do passado riria do Neto do presente. É que o Neto do passado só entraria na academia se estivesse fugindo de um malfeitor. Muito bem.
Não faz muito tempo, reparei que alguns dos frequentadores da academia estavam colocando seus aparelhos de telefone celular numa posição que os filmasse (os frequentadores da academia) fazendo exercícios. Os vídeos aparecem nas redes sociais desses, digamos, atletas. Até aí, tranquilo. Não é crime.
O problema é que eu devo ter aparecido sem querer em vários desses vídeos. Até aí, tranquilo também. Não sou foragido da Justiça. Então qual é o problema? Fazer musculação não é prática das mais divertidas. A essência da coisa é fazer força. E isso se reflete em nossos semblantes. Você acha que fica bonito fazendo cara de sofrimento na hora de levantar peso? Se você acha que sim, bom, deixa pra lá. Cada um é cada um. Eu já não sou um primor de formosura, e aparecer fazendo caretas ao fundo não é uma das ideias com as quais eu simpatizo. É um bom argumento para espinafrar as redes sociais.
Ó só: se isto aqui fosse uma redação do Enem, eu perderia muitos pontos nos aspectos estruturais. Na redação do Enem, a introdução deve ter contexto, tese e os pontos que serão tratados nos parágrafos de desenvolvimento. Digo isso porque o texto que você está lendo não fez nada disso. É uma das delícias de se escrever crônica.
Ao mesmo tempo, não quero deixar o leitor comendo poeira. Na próxima semana, com mais disciplina, tratarei de coisas que melhoraram e de coisas que pioraram.