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Nelson Fonseca Neto

Dia dos namorados

Alguém aqui é contra o amor? Eu não sou. Eu sei que você não é. O complicado, convenhamos, é o lance meloso, forçado

08 de Junho de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Atenção: as opiniões do cronista são apenas as opiniões do cronista. O leitor não é forçado a adotá-las. Recomenda-se, inclusive, que não as adote em hipótese alguma.

O dia mais problemático de todos está nos rondando: Dia dos Namorados. A euforia está no ar. Abundam os vinhos, as flores, os fondues, os olhares lânguidos. Alguém aqui é contra o amor? Eu não sou. Eu sei que você não é. O complicado, convenhamos, é o lance meloso, forçado.

Eita, a movimentação em torno do dia dos namorados é frenética. Vejo os outdoors dos restaurantes. Ouço propaganda de motel no carro. Meus vídeos no YouTube são interrompidos por sugestões ousadas de presentes.

Às vezes eu fico com a consciência meio pesada por não ser um cara romântico, desses que se ajoelha no meio do nada para declamar um poema de amor; desses que deixam bilhetinhos inspiradores na gaveta de roupas íntimas da mulher amada; desses que arquitetam jantares românticos. A minha consciência fica meio pesada por uns trinta segundos.

É que eu me imagino organizando um evento romântico no dia dos namorados para a Patrícia. Eu fazendo reserva num restaurante marrento. Eu escolhendo a mesa. Eu imaginando as iguarias que serão consumidas. Eu pensando no onipresente vinho. Eu pensando no presente marcante e revolucionário. Eu jogando pétalas na nossa cama. Eu pensando em musiquinhas marotas.

Eu já travaria no primeiro passo. É que eu já vi restaurante marrento em dia dos namorados. É lotado. As coisas não funcionam muito bem. O pessoal fica meio estressado, mas tem que segurar a onda. Ora, o último romântico não pode armar barraco justo no dia que é o ápice do amor. Os casais ficam sussurrando nas mesas, segurando as mãos, fazendo biquinho. Acho complicado pagar para ter de lidar com um cenário desses. Dá para baixar, de graça, filme de terror na internet.

E pagar caro, carérrimo, para ter de lidar com um cenário desses. Meu Deus, como as coisas estão caras! Há quem diga que, conforme envelhecemos, vamos ficando meio munhecas. Pode ser. Mas aqui, acho humildemente, as coisas são mais simples: tudo está caro mesmo. Um dia, quem sabe, a gente trata de economia por aqui.

Olha só: para muita gente, tem o esquema do motel. A cuíca ronca forte em motel no dia dos namorados. Estou falando na fila da portaria. Na alcova, cada um faz aquilo que der na telha.

Será que existe fobia de motel? Se bem que no meu caso não é bem fobia, é mais uma incompatibilidade. Boa parte disso eu ponho na conta da minha formação audiovisual nos anos 80. Naquela época passava muito filme de terror ambientado em motel ou em pardieiro em beira de estrada. O casal feliz sempre era visitado pelo maníaco da machadinha. E como motel costuma ficar na beira da estrada, já viu, né? Qualquer barulho diferente deixa a gente meio frenético. Às vezes é só um morcego que deu uma trombada na janela do banheiro. Ainda bem que quase sempre é só isso mesmo, mas eu evito pagar para ver. Dureza ser um cara urbano. Vou ver se aprendo a lidar melhor com isso.

Mentira. Passei, faz tempo, da fase das grandes mudanças. Não lido bem com o mato. Não lido bem com o dia dos namorados. Pensei bem antes de escrever este texto. Não quero magoar ninguém. Por isso comecei com o alerta. Se você é o último romântico, aproveite o dia. Mas, por favor, sem bochechar antes de consumir o vinho.

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