Nelson Fonseca Neto
Eça e redes sociais
O bom e velho sarcasmo ressurge. Aquela gente é burra ou azeda? Burra e azeda
Já registrei aqui, várias vezes, meu desprezo pelas redes sociais. Isso não impede que eu tenha perfil em algumas delas. O nome disso é masoquismo. Mas de vez em quando a gente se diverte.
A Patrícia, na semana passada, mostrou um treco engraçado que circula no Instagram. Era uma ilustração sobre tempo frio sem filho e com filho. Na parte do tempo frio sem filho, figurinhas de chocolate, vinho tinto, Netflix, chá com limão, pantufas. Na parte do tempo frio com filho: inalador, Dipirona, termômetro.
Achei engraçado. Mandei para outras pessoas, que também acharam engraçado. Ora, a vida mostra que a imagem do Instagram estava dizendo a verdade. Depois de compartilhar a coisa, resolvi ler os comentários que acompanhavam a imagem.
Às vezes a gente leva umas rasteiras. Eu esperava encontrar as pessoas rindo daquilo, dizendo que era assim mesmo, e por aí vai. Eu sou um ingênuo, isso sim. O pessoal, naqueles comentários, estava espinafrando quem criou aquela comparação. Basicamente: “Que absurdo! Filho é a coisa mais importante do mundo! Filho também traz alegrias!”. Em suma, aquele jeito azedo e moralista de encarar as coisas.
Nessas horas a gente banca o antropólogo e tenta entender as coisas com um certo distanciamento. No meu caso, o distanciamento dura uns 45 segundos. O bom e velho sarcasmo ressurge. Aquela gente é burra ou azeda? Burra e azeda. Eu tenho um filho pequeno. Amo-o incondicionalmente. E sinto um arrepiozinho quando o tempo esfria. Quando surge a primeira tossinha, pensamos: lá vamos nós. Qual é o problema? Faz parte da vida.
Mas voltemos aos comentários. Eles não são algo solto. Eles simbolizam o buraco em que nos enfiamos. Nessas horas, lembro do Eça de Queirós, criador imbatível de tipos ridículos. O mais famoso deles é o conselheiro Acácio, símbolo da mediocridade empolada. O conselheiro Acácio só falava obviedades, mas recorria às palavras mais suntuosas. Ele é um exemplo da capacidade satírica do Eça. Há muitos outros casos em sua obra. Vale a pena conferir. Imagino o estrago bom que o Eça faria em 2023. Seria uma festa para ele.
Fechei o parágrafo anterior e fui tomar café. Voltei, reli a última frase e pensei: não seria uma frase otimista além da conta? Dizer “vale a pena conferir” a obra de Eça nos dias que correm? Vocês me desculpem, mas não tenho sido tomado pelo otimismo ultimamente. Talvez passe, vai saber.
Acho que, em 2043, Eça terá um punhadinho de leitores. E por que fico triste com esse cenário? Não esperem que eu faça um discurso eloquente sobre leitura e sociedade. Vejo as coisas com mais simplicidade. O cenário é triste porque Eça é uma figuraça. Um companheiro inesquecível de jornada. Engraçado em muitos momentos, terno em outros. Lúcido, minucioso, fantasioso. E esse lance do escritor como companheiro de jornada se aplica a muita gente. E é por isso que eu lamento que cada vez menos se leia Eça, Machado, Dickens e sua trupe.
O que direi pode soar como bobagem para muita gente, mas vamos lá: quem gasta parte do seu tempo livre lendo Eça tende a se sentir meio envergonhado na hora de escrever comentários cretinos nas redes sociais.
Eça é um santo remédio.