Nelson Fonseca Neto
Na sala de espera
Gosto de escarafunchar o passado. É por isso que sou cronista, e não ‘influencer‘. Não faço comentários contundentes sobre as grandes questões nacionais e mundiais. Não me chamo Gerson Camarotti ou Guga Chacra.
Meu campo é limitado: miudezas do presente e do passado. Não é firula. Não é algo voluntário. As coisas vão surgindo e eu vou aproveitando. É uma forma conformista de encarar a vida. Gosto disso.
Conheço pessoas que lutam por causas justas. Pode parecer que não, mas sei reconhecer uma causa justa. E ainda bem que existem pessoas que não são acomodadas. O mundo só caminha para um ponto melhor porque há gente assim. Pena que eu não pertenço ao clube. Fico meio de banda, olhando admirado, com uma certa preguiça.
Na época em que eu frequentava estádios de futebol, eu passava boa parte do tempo observando o que acontecia na arquibancada. O jogo em si era secundário. Eu via as pessoas e imaginava as vidas que levavam. Eu criava enredos para o homem que vendia amendoim. Eu reparava na marca do radinho do sujeito ao meu lado.
Está claro que não tenho vocação - nem preparo - para subir na tribuna e servir de farol para a humanidade. E vamos ao que interessa. Esta explicação já está ocupando um espaço precioso.
Faz tempo que eu quero escrever a respeito de alguns sobrados do centro da cidade. Muitos estão em pandarecos. Quase ninguém dá trela a eles. E pensar que, em priscas eras, eles eram imponentes e recebiam olhares de respeito.
Só que eu me dou conta de que o meu conhecimento acerca de casarões é escasso, insuficiente para sustentar uma coluna. Prometo ser um bom rapaz e me aprofundar no assunto.
Já que os casarões voltam ao limbo, trago hoje algo que vem martelando a minha cabeça: sala de espera. Aos 45 anos, sou um cara dividido. Um pé na canoa analógica, um pé na canoa digital. Isso traz uma série de consequências para a vida do sujeito. A maneira como lidamos com a sala de espera ilustra o drama.
Antes do telefone celular, a sala de espera concretizava a ideia de inferno para muita gente. A pilha de revistas velhas. O ventilador girando lentamente. Os quadros cafonas. A televisão passando sempre os piores programas concebidos pelo homem. Daria para fazer um inventário dos mais macabros.
Já vi e ouvi de tudo um pouco nas salas de espera. Vi gente armando brigas homéricas porque o médico estava muito atrasado. Vi um senhor fazendo perguntas para o desconhecido ao lado que mais pareciam pontos de um interrogatório. Ouvi gente contando histórias de cortar o coração. Salas arrogantes. Salas claustrofóbicas. Salas franciscanas. Salas barrocas.
O telefone celular enterrou a sala de espera tradicional. Não o espaço físico, que continua firme e forte. Enterrou a nossa maneira de ser na sala de espera. Por que conversar com o desconhecido à minha frente? Por que deixar à disposição do paciente uma pilha de revistas? Escarafunchar o passado não é a mesma coisa que maquiar o passado. Seria forçar a barra transformar a sala de espera do passado em algo que inspira saudosismo. As horas ali se arrastavam. Eu, por exemplo, sou péssimo para engrenar conversas com estranhos. O telefone celular quebra um galho enorme nessas horas.
Nem só de mofo vive o homem.