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Nelson Fonseca Neto

Em alto e bom som

Pensei: como tem gente rica no Brasil! Mas aí se deu o milagre: as pessoas sabiam, com todos os detalhes, como ficar ricas, mas não estavam ricas. Elas estavam apenas sendo enfáticas

16 de Dezembro de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Vou à academia diariamente. Não é por gosto; é por necessidade. Botei isso na cabeça. Tem dado certo. Mas eu não quero escrever hoje sobre a importância de se fazer atividade física regularmente. Tem gente fazendo isso muito melhor do que eu.

Flertando com a cafonice, digo: a academia é um microcosmo. Falando de um jeito melhor: dá pra observar algumas coisas interessantes na academia. Sei do risco que corro ao escrever isso. Algumas das pessoas que frequentam a academia comigo sabem que escrevo para o jornal. Se bem que não é risco, pois não estou aqui para ofender.

Eu dizia que dá pra observar algumas coisas interessantes na academia. Melhor dizendo: dá pra observar pessoas interessantes na academia. São tipos que fazem a alegria de qualquer cronista. Hoje quero tratar de um desses tipos. Tenho uma teoriazinha: o tipo que vou abordar agora representa um fenômeno maior. Aperte o cinto, leitor: as próximas linhas mostrarão o casamento da sociologia com a observação destrambelhada.

Tem um rapaz na academia que faz seus exercícios de musculação uma seriedade encontrada num diplomata do século 19. Cenho franzido, objetivos claros, pouca conversa. Só que, dia desses, tive a sorte de ouvir a conversa do rapaz com um senhor. Não era bem uma conversa; era uma preleção. O rapaz estava condenando enfaticamente tudo o que o senhor falava a respeito de musculação. O rapaz não estava ali para ser agradável, polido ou coisa do tipo. Ele estava ali para defender a sacrossanta causa da musculação. O rapaz era um enfático nato.

Eu via aquilo enquanto derretia na bicicleta ergométrica. Primeiro pensamento: que rapaz mais pernóstico! Segundo pensamento, mais luminoso: o mundo de hoje é repleto de enfáticos. O enfático reclama forte. O enfático sabe como ficar rico. O enfático não quer saber de frescura. O enfático sabe que tudo é fraude, complô e picaretagem.

Agora mesmo, minutos antes de começar a escrever este texto, eu estava alimentando meu vício mais recente: a leitura, no Facebook, de comentários que as pessoas fazem nas publicações de empresas como Kibon e Lacta. Aqui, o leitor desta coluna há de pensar: um ou outro gato pingado se dispõe a escrever comentários na publicação da Lacta. Vai nessa, ingênuo.

São centenas de comentários. Mais de noventa por cento deles mostrando pessoas indignadas com caixas de bombons e afins. Há do xingamento mais visceral ao pequeno tratado que mostra que o chocolate de hoje é uma fraude. Nessas horas, eu me sinto um ignorante, um alienado. Como eu não me importo com a composição do chocolate? Como eu não reparei que a caixa de bombom ficou dez gramas mais leve? Como eu não boto a boca no trombone?

Imagine que esse modo enfático das pessoas se espalha por vários outros setores. Sou apaixonado pelos comentários nas postagens de empresas que trabalham com investimento em bolsas de valores. Todo mundo ali sabe qual é o caminho das pedras para a riqueza. Nas primeiras vezes que ali aqueles comentários, pensei: como tem gente rica no Brasil! Mas aí se deu o milagre: as pessoas sabiam, com todos os detalhes, como ficar ricas, mas não estavam ricas. Elas estavam apenas sendo enfáticas.

Quem disse que a vida não é divertida?

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