Nelson Fonseca Neto
Precoce
Hoje, não sei se a pessoa é pai da criança ou se é coach do pimpolho. Num cenário desses, a criança precoce é estimulada avidamente. Pobre criança

Até o terceiro ano do ensino médio eu media um metro e setenta e poucos centímetros de altura. Nada de barba. Alguns dos meus amigos eram grandões ou ostentavam aquela barba cerrada dos Irmãos Metralha. Eu tentava me enganar dizendo que tudo tem seu tempo determinado, que eu era um dos mais novos da sala.
Demorou um pouco mais do que eu gostaria. Dei um estirão alguns meses depois do terceiro colegial. Hoje eu tenho quase um e noventa de altura. A barba deu sinal de vida, ainda que as falhas no meu rosto sejam abundantes. Moral da história? Esta história não tem moral. Ela é apenas um gancho para eu tratar de uma figura que assombrou a minha adolescência: o precoce.
Melhor dizendo: os precoces. É que eu conheci precoces nas áreas mais distintas. Vale a pena tentar entender essas criaturas pitorescas.
É meio manjado que, na adolescência, o precoce de corpo chame mais a atenção. É o famigerado fortão e barbudo no meio dos colegas que estão engrossando a voz e ficando felizes com um pelo mais enfático que aparece no queixo. O que eu digo aqui não é científico; é fruto do mais tosco empirismo: o precoce de corpo rapidamente se torna o adulto decadente. Aos 30, ele parece ter quarenta. E por aí vai. O precoce de corpo envelhece que nem cachorro: um ano vale quatro das pessoas comuns.
O precoce esportivo também merece menção. Ele costuma ter um pé e meio na precocidade física. A diferença, o bônus, é que ele usa o arranjo biológico para ser bom pra caramba num esporte. Conheci vários craques de futebol na adolescência. Os que não eram craques cravavam: essa cara vai ser famoso, não tem como não ser. O precoce esportivo até ia fazer teste em time grande. Não conheço ninguém que tenha vingado. Vários desses caras passaram a remoer o seu rancor. Aí vale a máxima: às vezes, ter algum talento é pior do quer ter zero de talento. Sábias palavras.
O precoce intelectual tende a tangenciar a chatice. Bom deixar claro: eu não fui um precoce intelectual. Eu só gostava de ler e de estudar. Eu era tímido. Não ficava levantando a mão o tempo todo para fazer perguntas cabeçudas. Eu gostava de brincar de “Master”, aquele jogo de perguntas e respostas sobre vários assuntos. Eu tive um brinquedo chamado, se não estou enganado, “Químico Júnior”. Eu gostava de fazer “sangue do diabo”. Tudo isso sem fanatismo. Conheci alguns precoces intelectuais. Lamento dizer que, hoje, ao ver seus perfis em redes sociais, percebo que eles deram um cavalo-de-pau e tomaram o rumo da burrice.
Naqueles tempos anos 80, anos 90 -, a precocidade não era estimulada pelos pais. Posso estar enganado, mas não era mesmo. Que coisa interessante: os adultos não se metiam muito nas nossas vidas. Claro que não éramos abandonados às intempéries, como se estivéssemos num filme de Werner Herzog. É que, sei lá, a fronteira entre o território das crianças e o território dos adultos era mais rigorosa. Bons tempos aqueles. Hoje, não sei se a pessoa é pai da criança ou se é coach do pimpolho. Num cenário desses, a criança precoce é estimulada avidamente. Pobre criança.
Por essas e outras, quando vejo no espelho minha barba cheia de falhas, suspiro aliviado: não ter sido precoce tornou a minha existência mais leve.