Buscar no Cruzeiro

Buscar

Nelson Fonseca Neto

Fortalecendo o caráter

Fiquemos com as frustrações como marcas de uma vida interessante. Seriam as cicatrizes que ostentamos, os instrumentos que endureceram nosso couro?

21 de Outubro de 2022 às 00:01
placeholder
placeholder

 

Noutros carnavais, a barriga saliente de homens acima dos 40 anos era motivo de orgulho, símbolo de uma vida aproveitada com abundância e respeitabilidade. Desnecessário dizer que muita coisa mudou de lá pra cá. Hoje, basta olhar para um pessoal sofrendo nas esteiras ergométricas das academias. Homens com mais de 40 anos, com expressão de quem levou bronca do médico. Mas não é disso que eu quero falar hoje.

Se a barriga saliente não é mais sinal orgulhoso dos anos que passam, o que poderia ocupar seu lugar? O que poderia servir de emblema? Livros lidos? Não sei, soaria pedante. Patrimônio? Coisa mais cafona ostentar riqueza. Frustrações? Interessante, muito interessante.

Fiquemos com as frustrações como marcas de uma vida interessante. Seriam as cicatrizes que ostentamos, os instrumentos que endureceram nosso couro? (O leitor pode escolher a metáfora melodramática que julgar mais luminosa.) As frustrações trazem a resignação. (Que o leitor perdoe o tom lapidar de coach por aqui.)

Mostro, a partir de agora, algumas das minhas frustrações. Elas foram aparecendo ao longo de vários momentos da minha vida. (Um piadista diria: do dia 3 de novembro de 1977 até aqui.)

Primeira frustração: não tocar instrumento musical. Desde muito novo compreendi que dedilhar um violão estava muito além das minhas forças. Talvez seja culpa da escola onde estudei. Lá, tínhamos aula de música. Se a memória não estiver avariada, eram aulas de flauta. O que lembro bem é do barulho infernal de várias crianças soprando loucamente flautas. Então acabei criando um bloqueio para aulas de música. E assim o mundo perdeu um guitarrista.

Segunda frustração: não saber desenhar. Nunca saí do mundo dos bonecos que parecem palitos. Ainda hoje olho com estupor para autores de HQs. Fico imaginando o estrago que eu faria se soubesse desenhar. Provavelmente eu não sairia de casa.

Terceira frustração: não ser um apaixonado por matemática e física. Bem que eu tentei na escola. Eu até que me virava nessa área. Mas não era paixão. As notas altas mostravam uma criança meio maníaca, que desejava um boletim imaculado. Leio sobre físicos e matemáticos e me vejo rodeado de equações e teoremas. Seria maravilhoso. Se eu fosse craque na coisa, eu não sairia de casa.

(Anotação feita no calor da hora: investigar essa história de não sair de casa. Seria aversão ao mundo ao meu redor?)

[email protected]