Nildo Benedetti
Filmes da Netflix: ‘Roe versus Wade Direitos das Mulheres nos Estados Unidos’
Em 1970, Norma McCorvey instituiu uma ação federal com respeito ao aborto contra Henry Wade, promotor público de Dallas, Texas. Ela utilizou um nome fictício, Jane Roe para proteger sua identidade. O caso foi julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1973. Por um lado, a Corte discordou da afirmação de Roe de dar à mulher o direito absoluto de interromper a gravidez a qualquer momento, estabelecendo que o aborto poderia ser efetuado até seis meses de gestação ou em, qualquer tempo, no caso de risco da vida da mulher. Por outro lado, considerou que várias leis do Texas que criminalizavam o aborto violavam o direito constitucional de privacidade da mulher.
Em junho deste ano de 2022, transcorridos quase 50 anos da sua promulgação, a Suprema Corte dos Estados Unidos revogou oficialmente a decisão Roe vs. Wade. A decisão não proíbe o aborto no país, mas autoriza Estados americanos a terem leis próprias que restringem as opções das mulheres de interromper a gravidez. A decisão, obviamente, gerou revolta dos movimentos pró-aborto.
O filme “Roe vs. Wade direitos das mulheres nos Estados Unidos”, dirigido por Ricki Stern e Anne Sundberg trata dos confrontos entre grupos favoráveis e contrários ao aborto. Tem caráter de documentário e procura se manter isento com respeito ao tema.
No início do filme ouvimos a voz de dois homens “in-off” condenando o aborto: um ancorado em motivos religiosos e outro por razões supostamente científicas; a seguir uma mulher depõe na Câmara dos Representantes do Texas defendendo o aborto, afirmando que as leis restritivas levam as mulheres à clandestinidade, porque não deixarão de abortar. De fato, estatísticas mostram que mulheres religiosas ou não, solteiras, casadas, ricas, pobres, praticam aborto ilegal com risco de vida.
De modo geral, nos debates legais mostrados no filme, mulheres pedem flexibilidade das leis, enquanto homens querem restringi-las ou eliminá-las, mas as grandes decisões sobre aborto são geralmente tomadas por homens. Nas opiniões e decisões masculinas há sinceras crenças pessoais sobre direito à vida mas, de modo geral, muita esperteza, discursos morais inflamados, cinismo, truques e pouca preocupação com os direitos das mulheres. O leitor tem a impressão que a legalização ou não do aborto depende de pressões exercidas por movimentos religiosos, pela imprensa, pelos movimentos de massa e que pouco têm a ver com a enorme gama de fatores que provocam a gravidez indesejada nos diversos estratos econômicos e sociais da sociedade.
Assistimos às manobras dos contendores, com destaque à atuação dos políticos. De fato, o sensível tema do aborto gera dividendos ou desgaste de imagem de um político e, por isso, presidentes como Bush (o pai) e Trump, que no passado defendiam o direito do aborto, acabaram mudando de lado, de olho nos votos dos eleitores. No Brasil, a esposa de um candidato a um cargo político chamou a concorrente ao mesmo cargo de assassina de criancinhas, até que veio à tona que a combativa moralista, defensora da vida do feto, já havia praticado aborto.
No Brasil, aborto é crime, com as seguintes exceções: risco à vida da gestante, gravidez por estupro e feto anencéfalo. Contudo, os acontecimentos recentes envolvendo gestação de crianças estupradas mostram as resistências à aplicação da lei.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec