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Nelson Fonseca Neto

As rasteiras da memória

17 de Junho de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Não sei se já aconteceu com vocês. Comigo vem acontecendo bastante. Pelo menos tenho reparado bem mais nos últimos tempos. Na minha cabeça, algo parece recente, recente mesmo, mas quando penso um pouco melhor constato que aconteceu há muitos anos. Antes que apareça uma ruga de preocupação na testa de vocês: minha memória recente funciona bem. Melhor entrar logo nos exemplos.

Na minha cabeça, o carro Vectra é símbolo de novidade. Não estou brincando. Só na semana passada, ao me deparar com um Vectra cinza na Barão de Tatuí, me dei conta de que o tempo automobilístico funciona de um modo um tanto heterodoxo para mim. Tenho a impressão de que marquei bobeira. Até meus vinte anos, mais ou menos, eu conhecia os modelos de carros circulando por aí. Nada que tenha a ver com fanatismo. Eu tinha amigos que conheciam minúcias de carros. Eu, não; mas me virava bem.

Hoje eu vejo uma propaganda de carro e penso: caramba, nunca ouvi falar! Não deixa de ser um problema nas ocasiões em que preciso contar algo usando carro como referência. Por exemplo, uma desinteligência no trânsito. Gosto da exatidão nos relatos. Não me contento com construções do tipo “ele foi lá e pegou o treco”. O que é o “treco”? Assim, quando vou contar algo, me incomodo com “um carro bateu na moto”. Qual carro? Qual moto? Não que eu queira falar o ano do veículo e o tipo de motor, mas ajuda saber se é um carrão ou um carrinho, uma motona ou uma motinha. Ou não ajuda. Vai ver é bobeira minha.

(Não me preocupo com a minha ignorância de motos. Nunca cheguei perto de discernir adequadamente um modelo do outro. Para mim, o barulho é o mesmo. É o que importa.)

Vou ao Google e descubro que o Vectra foi lançado em 1993. Um ano antes da Copa dos EUA. Falando nisso, parece que aquela Copa foi ontem. Lembro onde vi cada jogo. O lateral-esquerdo daquela época, o Branco, me deu um susto meses atrás. Vi uma foto dele num site de notícias. O Branco estava muito diferente, bem mais gordo e grisalho. De novo, é o tempo correndo de forma meio esquisita por aqui. É claro que o Branco deveria estar muito diferente. Quase trinta anos desde a Copa de 94. Eu também estou muito diferente. Talvez eu não queira encarar a vida como ela é.

Já que eu abri caminho para as bobagens, vou até o fim. Ontem eu estava no supermercado olhando para a gôndola de chocolates. (É “gôndola” que a gente fala hoje ou mudou?) Dezenas de tipos de chocolates. Os clássicos e os mais novos. E de novo o tempo brincalhão deu as caras. Se você está lendo esta coluna e é bem mais novo do que eu, não imagina que a caixa de bombons da Nestlé foi lançada em 1988. Eu tinha quase onze anos e lembro do frisson daquilo. Parece que foi ontem.

(Novamente o Google ajudou aqui. De brinde, tive a chance de rever a propaganda que passou na televisão naquela época. Sei que estou entregando o ouro aqui. Eu bem que poderia fingir que a minha memória é prodigiosa e que só recorro ao Google para pesquisas eruditas. Já que estamos chafurdando no lodo da banalidade, digo, de peito aberto, que nem só de palavras sublimes vive o homem. Há que se reservar uma cota para as trivialidades.)

Alguém deve ter registrado em algum lugar, como patologia, a mania que a pessoa tem de dar exemplos. Sou devoto dos exemplos. Recorro a eles o tempo todo. Às vezes, o encaixe funciona. Na maioria das vezes, fica um quê de estranheza no ar. Não importa. Já faz mais de onze anos que este espaço virou um confessionário. Então lá vamos nós com mais um exemplo: a mudança do gibizinho da Turma da Mônica de Editora Abril para a Editora Globo. Aconteceu em 1987. Na minha cabeça, foi na semana passada.

Se vocês me dão licença, paro por aqui. Vontade de ouvir uma novidade: o cd “MTV Acústico: Titãs”. Recomendo.

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