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Nelson Fonseca Neto

Pelo centro

A região central da cidade, obviamente, abrange mais ruas que o centrão. É centro, mas menos intenso. Acho que me fiz compreender

25 de Março de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Nelson Fonseca Neto

Sou um convicto morador do centro da cidade há mais de quatro décadas. Chance zero de mudar de estilo de vida. Tarde demais. Sou, portanto, um centrófilo. O centrófilo ama o centro da cidade.

Conheço gente que funciona bem diferente. São os centrófobos. São capazes de elencar minuciosamente os defeitos do centro da cidade. Passam pelos quarteirões centrais com pressa. Só faltam tapar o nariz. Sonham com tudo aquilo transformado naqueles verdejantes trechos que encontramos nos condomínios fechados.

Ainda bem que há diversidade nesta vida.

Dia desses eu conversava com um amigo que também é centrófilo. Ele mora com a família num prédio em frente ao meu. Tratamos das vantagens e das delícias de se morar no centro. Padaria, farmácia, quitanda, escola, clube. Movimento, gente, sinais de vida, enfim.

Necessário dizer que “centrão” e “região central da cidade” não são a mesma coisa. Morei por muitos anos no centrão. O centrão engloba a metade de baixo da rua da Penha, boa parte da Padre Luiz, os primeiros quarteirões da 7 de Setembro, a Álvaro Soares, a Braguinha e por aí vai. A região central da cidade, obviamente, abrange mais ruas que o centrão. É centro, mas menos intenso. Acho que me fiz compreender.

Hoje moro mais para o final da rua 7 de Setembro. Acho que não é centrão. E por que não é centrão?

Primeiro ponto: o trânsito. Os carros, motos e ônibus desenvolvem, por aqui, velocidade um pouco maior. Faça a experiência. Repare como os carros trafegam perto da Penha com a Benedito Pires e como trafegam perto da Penha com a Moreira César. Não entra juízo de valor nesta comparação. No centrão o trânsito tende a ser mais moroso.

Segundo ponto: pedestres nas calçadas. No centrão tem muito mais gente nas calçadas. Onde moro, os pedestres são bem mais raros. Aqui, sim, entra juízo de valor: acho ótimo quando me deparo com calçadas movimentadas.

Terceiro ponto: comércio. Há poucas lojas no quarteirão onde moro. Quando dou alguns passos e vou até a rua da Penha, desemboco na parte alta da rua, quase na esquina com a Moreira César. Vejo hamburguerias, lojas de produtos fitness, butiques e afins. São empreendimentos discretos e seguidores dos ditames do empreendedorismo. Tudo mais ajeitadinho. Tudo centrado na experiência de ser cliente. Nada contra, por favor. São lojas lícitas e necessárias. No centrão a cuíca ronca de outra forma. Lá, o comércio é mais, sei lá, anos 80. Tem mais gente tentando puxar você para dentro das lojas. Tem música alta, para todos os gostos, saindo das caixas de som. Em alguns estabelecimentos, tem um locutor entretendo o pessoal.

Aqui, entra um aspecto memorialístico: cresci rodeado por esse tipo de comércio. Por conta disso, você nunca me verá torcendo o nariz para o comércio do centrão ou desejando lojas com musiquinhas discretas e aroma de baunilha.

Se você acompanha esta coluna há um bom tempo, sabe que implico com motos, carros envenenados e gritarias. Contraditório demais da conta. Sem problemas. Desconfie dos coerentes.

Quando vou a uma casa mais afastada, num desses condomínios na borda da cidade, consigo perceber as vantagens do local. Só que, se é de noite, acontece um fenômeno acústico interessante: o barulho das cigarras vai fazendo uma pressão esquisita nos meus ouvidos.

Nessas horas, para o bem e para o mal, sinto o sangue centrófilo percorrendo meu corpo.

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