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Letra Viva

Ideias do Monza

Artigo escrito por Nelson Fonseca Neto

12 de Novembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Se não estou enganado, tem um filme muito conhecido chamado “Se meu Fusca falasse”. Lembro apenas de uma ou outra cena. Achei o enredo meio fraco. Basicamente, era um carro fazendo estripulias. Conheço muita gente que acha o máximo.

Outros filmes mostram carros assassinos, possuídos por espíritos malignos. São considerados clássicos do terror. Gosto mais desse tipo de abordagem. Não que eu seja sombrio. É apenas uma questão de estética.

Isso tudo para dizer que, sim, os carros têm alma. Não deveria ser novidade para ninguém, mas as pessoas são obtusas. Mas não quero sair atirando pedra. Quero aproveitar a oportunidade deste espaço.

É que leio jornais regularmente e vi, coisa de algumas semanas atrás, as palavras de um copo de requeijão neste espaço. Gostei daquilo. Decidi entrar em contato com o Nelson Fonseca Neto. Perguntei se ele permitiria que eu mostrasse algumas das minhas opiniões ao mundo. Devo dizer que ele aceitou prontamente. Não sei se foi por conta de sua bondade ou se foi porque ele está meio cansado nesta época do ano.

Comecemos. E já lamento ter ocupado os primeiros parágrafos com um preâmbulo que pode ser encarado como desnecessário. Bom, o estrago já está feito. Vamos ao que interessa.

Sou um carro. Isso é vago. É como se alguém dissesse: sou um homem. Grande coisa. Que tipo de homem? Vale a mesma coisa para um carro. Que tipo de carro? Sou um Monza Classic 2.0, modelo 1987. Tenho duas cores: a maior parte do meu corpo é de um cinza bem clarinho; o teto, o capô e o porta-malas são de um cinza bem mais escuro.

Pode ser que esta coluna tenha leitores de idades variadas. Falo, este momento, aos mais novos: eu era uma espécie de vedete, de coqueluche, de estrela entre os carros. Meus irmãos e eu fomos muito cobiçados no final dos anos 80. Simbolizávamos o requinte. Éramos parte daquilo que a vida poderia oferecer de melhor. Saibam que as minhas duas cores eram uma distinção tida como genial.

Hoje, vocês, os mais jovens, tendem a olhar com desprezo para mim. Para vocês, sou capenga, feio, pouco confiável. Perguntem aos pais e avós de vocês se sempre as coisas foram assim. Eu aposto o que vocês quiserem que eles suspirarão de saudade e que eles exigirão palavras mais respeitosas. Chega de falar aos mais jovens.

Agora falo aos que conheceram verdadeiramente o meu esplendor. Certamente estou falando com pessoas inteligentes neste momento. Se você já teve um Monza Classic sabe que o que veio depois representou a decadência. Nunca outro modelo representou o casamento da elegância com a esportividade como eu. Eu aposto que vocês olham para um Monza Classic na rua e pensam: antigamente as coisas eram melhores. E eu aposto que olhar para um Monza Classic faz com que vocês sejam tomados por um turbilhão de reminiscências de outros aspectos da vida.

Um carro nunca é idêntico a outro carro, obviamente. Não estou me referindo apenas a partes mecânicas ou estéticas. Saibam que incorporamos a personalidade dos donos ou donas. Eu diria que é mais um acréscimo de virtudes e defeitos ao nosso temperamento. Um pilantra não corromperá completamente um carro íntegro, mas colará nele alguns penduricalhos de malandragem. Saibam que sou um caso de sorte. Tive um único dono. Ele não é um anjo nem é um calhorda. Está na média, o que é bom. Sempre é de bom alvitre desconfiar dos extremos. Meu dono gosta de ler. Ao longo de vários anos, fui incorporando o seu refinamento intelectual. Melhor escola não pode haver.

Mas a minha grande sorte é que o meu dono é cuidadoso comigo. Hoje sou item de colecionador. Sou cobiçado pelos entendidos do ramo. Meu corpo brilha. Meus estofados são cheirosos. Meu motor funciona que é uma beleza. Não fico muito tempo parado na garagem. Circulo aos sábados e domingos. O segredo é o exercício moderado e regular. Assim vamos longe.

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