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Letra Viva

A festa (conto segunda parte)

Artigo escrito por Nelson Fonseca Neto

29 de Outubro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Erra quem diz que todos os condomínios são iguais. Numa cidade em que esses empreendimentos pululam, há espaço para muitos gostos e bolsos. Desnecessário que a gente entre em detalhes a esse respeito. Nossa história precisa avançar.

O centro do nosso enredo é um condomínio que, em termos de poder aquisitivo dos seus moradores, ocupa o topo da pirâmide, se pudermos nos expressar assim. Ali estão algumas das famílias mais endinheiradas da cidade. As origens desses patrimônios são variadas, assim como a vida é variada. Não é o caso de fazermos um passeio panorâmico por esses aspectos financeiros neste espaço. Cada um toca a vida do jeito que julgar mais conveniente.

No condomínio da nossa historieta, há moradores antigos, que ocupam suas propriedades há quinze, vinte anos; e há os moradores mais recentes. Aqui, um comentário aparentemente fora do prumo se faz necessário: as novidades costumam ser assustadoras. E isso em diversas circunstâncias. Em narrativas ambientadas no Império Romano aparecem personagens mais velhas lamentando a decadência moral e material trazida no colo das gerações mais novas. Poderíamos sacar do bolso muitos outros exemplos, mas o espaço que temos é exíguo, e o leitor atento notará que sempre os mais antigos olham torto para os mais novos. Cremos que nos fizemos entender.

O processo que acabamos de descrever é encontrado, também, quando o assunto é a riqueza. A palavra “emergente”, usada em sentido depreciativo, serve para rotular pessoas que enriqueceram recentemente ou que encontram seu ganha-pão (ou ganha-picanha marmorizada, ou ganha-uísque caríssimo, ou ganha-celular de mais de dez mil reais) em atividades consideradas menos nobres. O que acabamos de escrever soará como futilidade aos ouvidos de muitos leitores, mas é assim que as coisas se dão.

A família que protagonizará nossa história acabou de construir uma mansão no condomínio mais rico da cidade. O nome dessa família aparecerá com a abreviação “T.” doravante. Não queremos ferir sensibilidades. Não queremos nos ver embrenhados em processos judiciários esmagadores.

A família T. enriqueceu fazendo honestos pastéis. Ousaríamos dizer: disparadamente, os melhores da cidade. Trabalho duro, honesto, competente e sagaz fizeram com que o quitute fosse a ponta de lança de um, com o perdão da palavra gasta, império. O termo que acabamos de usar soa como novela canastrona de televisão, sabemos disso, mas não encontramos algo mais expressivo.

Quando usamos a expressão “império do pastel”, não desejamos ser irônicos. Estamos, isso sim, sendo fidedignos. O pastel foi o responsável pela riqueza da família T.; assim, “império do pastel” é expressão justa e necessária. Jamais fazemos graça quando nos deparamos com trabalho lícito e suado.

Construir a mansão no condomínio, lamentamos dizer, foi o ponto vulnerável em uma família considerada, até então, extremamente sagaz no mundo dos negócios. A mansão foi uma excentricidade desde os primeiros passos. Sua concepção pouco teve a ver com conforto ou beleza. Ela deveria ser um símbolo. Ela deveria mostrar quem dava as cartas na cidade. É que a família T. não mais queria ser apontada com um misto de admiração e desdém. Parece paradoxal, mas não é. Nunca faltaram gracejos sobre o óleo que serve para fritar pastel. Uma hora o copo transborda.

Cada copo transborda à sua maneira, e o copo da família T. transbordou com tamanho furor, que mostrar à cidade o que um pastel era capaz de fazer tornou-se questão de honra. O problema é que, nessas horas, pessoas sensatas são tomadas por uma febre que distorce tudo. O prudente, em termos financeiros, vira um gastador desatinado. Foi o que aconteceu com a família T..

Na próxima semana, mostraremos a triste sina dessa família.

(Continua na próxima semana.)

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