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Letra Viva

Adriano (um conto condenado ao fracasso)

Artigo escrito por Nelson Fonseca Neto

08 de Outubro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Adriano, aos 17 anos, está numa sala de aula do segundo ano do ensino médio. Escola particular. Mais do mesmo. O relógio do celular marca 9h51. O ambiente está na penumbra porque o professor está projetando os exemplos da aula pelo Datashow.

A penumbra é convite infalível para o sono. Sem contar o barulho hipnótico da ventoinha. Adriano, no início do segundo semestre, bem que tentou sentar-se na fileira da frente. Até recebeu elogios dos professores. Foi bom, mas durou uma semana. Na frente, logo na boca do gol, fica difícil disfarçar o celular. Sem contar que o pessoal da frente é menos dado a palhaçadas. É um tanto estereotipado falar isso, mas é assim que as coisas se dão na sala do Adriano.

Sentar-se na primeira fileira, no retorno das férias de julho, foi um acordo que Adriano fez com os pais. Eles passaram os primeiros meses do ano recebendo avisos os mais variados da coordenação: conversa fora de hora num sem número de aulas; atrasos exagerados nos retornos dos intervalos; vandalismo no banheiro; rendimento baixo em todas as matérias.

Os pais do Adriano gostam de dizer que são arejados. E são mesmo. Nunca acreditaram em punições ou recompensas. Defendem a arte da boa conversa. Não se exaltam. Quando a coisa esquenta um pouco mais, respiram fundo, dão uma pausa de alguns segundos e retomam o fio da conversa. Agindo dessa maneira, eles sempre foram elogiados na escola do Adriano.

O Adriano estuda na mesma escola desde o berçário. Assim, faz muito tempo que os seus pais são figurinhas carimbadas nas clássicas reuniões de pais e professores. Eles já atuaram como bombeiros em situações tensas. Evitaram, lá na época do Fundamental I, que uma professora fosse massacrada por ter lido com a criançada um livro considerado inadequado. Gastaram muita saliva para mostrar que o livro, muito pelo contrário, era muito bom. De vez em quando, essas coisas acontecem. É raro, mas acontecem.

Mas voltemos ao tempo atual da vida do Adriano. Depois de uma conversa um pouco mais áspera, ficou definido que ele ocuparia uma das carteiras da frente da classe. E todos foram dormir em paz.

Como dissemos, por uma semana o Adriano tentou prestar atenção ao desfile das teorias e exercícios. Ele até arriscou uma ou outra pergunta a alguns professores. Houve um dia, na aula de geografia, que o Adriano fez uma pergunta que arrancou elogios da professora. Parecia que um novo caminho estava se abrindo ali. Só que o entusiasmo foi de fôlego curto. Os apelos das distrações são muito mais sedutores.

O narrador desta história, neste momento, faz uma pausa e reconhece que as situações descritas estão repletas de um moralismo ranheta. Reconhece, também, o esquematismo das personagens, principalmente do protagonista Adriano. O enredo do adolescente turbulento é coisa das mais manjadas. Em termos narrativos, pouco caldo sai desse tipo de cana.

Mas a insistência do narrador tem propósito. Cabe dizer que planejar uma coisa até que é fácil. Problema maior é a execução. Abundam exemplos que reforçam tais constatações. Há ditados populares dando a sua contribuição. Isso tudo para dizer que a história imaginada não seria, tal como aparece agora, rançosa e careta.

A execução não levou em conta que seria um conto, e não uma novela ou um romance. A vida cinzenta do estudante Adriano seria o preâmbulo para saltos mais ousados. Haveria um festival de situações engraçadas. A crítica social afiada também daria o ar da graça. Seria, em suma, uma história interessante.

O narrador poderia criar uma segunda parte para tentar resolver a parada. Ele já fez isso em outras ocasiões. Mas decidiu parar por aqui. Talvez a história de Adriano apareça de um jeito mais robusto num outro momento. Como diz a sabedoria popular: a fila anda.

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