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Letra Viva

Senhora Diana (conto)

Artigo escrito por Nelson Fonseca Neto

01 de Outubro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Aos 78 anos de vida, a senhora Diana é conhecida por amar incondicionalmente as festas natalinas. Não seria exagero dizer que, para ela, os meses antes de dezembro funcionam como uma sala de espera para o que realmente importa.

Desde menina a noite do dia 24 é o ponto alto do ano. O almoço do dia 25 sempre tem um quê de fim de feira. Mas ela evita falar disso abertamente.

A senhora Diana vem de um lar de classe média. Sempre houve fartura na mesa. Os presentes não eram escassos. Tudo funcionando como deve ser.

Ou seja: quando adulta, o frenesi da senhora Diana nunca foi um mecanismo de compensação. Essa história da compensação acontece com frequência. Apega-se àquilo que era escasso numa determinada época. Seria uma maneira de tirar o atraso. Repetindo: não é o caso da senhora Diana.

Há quem veja o Natal como uma grande oportunidade para orgias gastronômicas. A noite do dia 24, em muitos lares, é um festival de massas, carnes, doces, frutas, sorvetes. Em tempos de redes sociais, abundam as fotos da fartura. Em outros lares, infelizmente, a tristeza da escassez impera. Coisas de um país triste.

No caso da senhora Diana, o jantar do dia 24 nunca foi exagerado. Um prato de massa. Um prato de carne. Arroz. Farofa. Uma salada bem fornida. Sorvete. Bolo. Frutas. Ela nunca foi de comer até arrebentar. Não que seja maníaca por dieta.

Por muitos anos, os registros fotográficos da festa eram escassos. Época em que ninguém sonhava com câmeras digitais e pen drives com capacidade absurda de armazenamento. As fotos de família mostravam todos juntos no jardinzinho do pai da senhora Diana. Todos fazendo pose para a posteridade. Fotos mais antigas sempre têm esse jeitão mesmo.

De vez em quando, a senhora Diana resgata algumas dessas fotos da gavetona do armário do seu quarto. Ela é a única sobrevivente. Isso não a deixa amargurada. Coisas da vida.

A senhora Diana nunca se casou. Não tem filhos. Não tem irmãos. Os primos e primas morreram faz tempo. Não tem sobrinhos. Muito se engana quem considera a senhora Diana uma solitária amarga. Reconhecemos que sua vida, de idosa solteira, rende observações estereotipadas. Charles Dickens moldou poderosamente a visão de mundo de gerações e gerações. Poderíamos dizer a mesma coisa a respeito de Disney.

Nada impede que a pessoa sem familiares tenha amigos. Ao longo de décadas de carreira como funcionária do INSS, a senhora Diana fez amigos entre colegas e entre a população que atendia. É que ela sempre foi enérgica, sem ser grosseira. Expansiva, sem ser invasiva. Alegre, sem ignorar o sofrimento alheio. Em suma, uma peça rara. Ora, gente assim sempre inspira simpatia. Desse modo, amigos nunca faltaram na vida da senhora Diana.

Seu cargo no INSS rende uma aposentadoria confortável. Mora num apartamento de 120 metros quadrados. Quando o comprou, tinha em vista as festas do dia 24. Seria um bom espaço para receber amigos e familiares dos amigos.

Sua tristeza em 2020 foi enorme. Por conta da pandemia, não fez a ceia. Está atravessando 2021 com a esperança de que dias melhores estão chegando. Antes de pegar no sono, a senhora Diana elabora a lista de convidados. Aproveita para pensar nos pratos. Uma inovaçãozinha sempre vai bem. Logo mais, pensará nos presentes. Presentear é uma arte. Jamais pode ser algo burocrático.

Ai de quem falar mal do Natal perto dela. Normalmente tolerante, ela vira um bicho quando ouve resmungos contra o Natal de gente como o cronista que publica sua coluna às sextas-feiras no jornal da cidade. Gente assim bem que poderia ficar calada. É o que pensa a festeira senhora Diana.

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