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Letra Viva

Luis Fernando Verissimo e o riso

Artigo escrito por Nelson Fonseca Neto

13 de Agosto de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Não é exagero afirmar que o Brasil é o campeão mundial da boa crônica. Já é um consolo num país tão complexado.

Com tantos cronistas craques, fica difícil dizer quem é o melhor. Na literatura curta que é a crônica, não temos um Pelé, alguém acima de qualquer suspeita. Mas temos vários Maradonas, Zicos, Messis, Cristianos Ronaldos, Beckenbauers. Podemos montar vários times imbatíveis. Rubem Braga, Machado de Assis, Elsie Lessa, Tati Bernardi, Ivan Lessa, Paulo Mendes Campos e companhia limitada enchem os nossos olhos com jogadas que só parecem simples, mas que demandam áridos treinos.

Luiz Fernando Verissimo é dos casos mais impressionantes. Sua carreira atravessa várias décadas. O Verissimo do início de carreira já batia um bolão. Nada da velha história de ser apenas um sujeito com bom potencial, mas que precisa comer muito feijão para ser alguém na vida. E nada da velha história de jogador decadente, que joga apenas com o nome. As crônicas mais recentes de Luis Fernando Verissimo são de uma garra de garoto que quer comer a bola.

Manter o nível não é fácil. São muitos os obstáculos. Quanta coisa não pode ocorrer com o escritor ao longo de décadas? Quantas alegrias, quantas tristezas? Ninguém chega aos 84 anos sem arranhões. O Verissimo dos anos 70 não é o mesmo Verissimo de 2021. E é bom que seja assim. O jogador experiente não precisa fazer as estripulias de um novato. O drible desnecessário é deixado de lado. Não se corre desesperadamente. O negócio é tocar de primeira, em linha reta, abrindo mão do gol espetacular em prol do passe minimalista.

É o que acontece com os textos de Luiz Fernando Verissimo. Os enredos mais rocambolescos deram lugar a situações mais secas. Situações delirantes foram substituídas por enredos mais realistas. As frases, que já eram breves, ficaram espartanas, carregando consigo apenas o essencial. A visão de mundo crítica foi ficando amarga, sombria. Textos de alguém que aprendeu a encontrar o coração das coisas. Sabedoria é rigor. Tínhamos um craque décadas atrás. Agora, temos um gênio.

Difícil agradar com a mesma intensidade. Há quem prefira o Verissimo das comédias que esquadrinham o cotidiano com o riso complacente, e há quem prefira o Verissimo mais cortante. Se perguntassem a mim, a resposta seria: depende. Depende do quê?

Depende do momento da minha vida. Passei, anos atrás, lendo as comédias do Verissimo como se fossem textos sagrados. Decorei várias daquelas crônicas. Aquele jeito de encarar as coisas me ajudou muito na hora de enfrentar situações aborrecidas. Quando batia o tédio que exasperava, eu fabulava. O Verissimo foi fundamental para me ensinar essas coisas.

Hoje, tenho lido mais os textos secos do Verissimo. Fiquei mais sombrio? Difícil responder a uma pergunta dessas. Tem gente que diz que envelhecimento e amargura caminham de braços dados. Quanto mais velho, mais amargo. Não necessariamente. A literatura traz exemplos interessantes. Os últimos contos de Tchékhov são muito mais duros que os primeiros, mas os romances mais recentes de Elmore Leonard são mais engraçados -- muito mais engraçados -- que os primeiros textos de faroeste.

Mas voltando à minha predileção atual pelos textos mais cortantes do Verissimo. Não tem tanto a ver com o fato de saber se estou mais ou menos sombrio. Acho que tem mais a ver com o que estamos vivendo no país. Dureza, não?

Difícil dar risadas afetuosas num lugar que tenta, a todo custo, transformar a morte degradante em algo banal.

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