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Letra Viva

Os extremos tecnológicos

Artigo escrito por Nelson Fonseca Neto

30 de Julho de 2021 às 00:01
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Não é uma história inédita. Quando a tecnologia dá um salto mais forte, surgem vozes que oscilam entre o deslumbramento e o pânico.

Não está tão longe assim o tempo em que os telefones celulares apareceram por aqui. Foi uma época eufórica. Depois vieram as reclamações. E hoje observamos um cenário dividido entre os que não conseguem viver sem o celular e os que lamentam que a humanidade esteja ficando cada vez mais alheia à realidade e concentrada no mundo virtual.

As duas visões são exageradas. O celular traz uma série de facilidades para nossas vidas. Difícil abrir mão delas nesta altura do campeonato. O drama sempre está no uso descontrolado. Não precisamos enumerar casos de descontrole no uso do celular. É algo que os leitores encontram facilmente por aí.

Mudemos nossos exemplos para a internet. Quase tudo na vida é uma questão de ponto de vista. O que é a internet? Fonte maravilhosa de informações? Lugar onde encontramos textos raros? Vitrine de vídeos interessantes? Facilitadora da comunicação? Espaço onde as maiores atrocidades são perpetuadas? Fonte de emburrecimento? Motor de “fake news”? Paraíso da futilidade? Ora, depende de quem usa a internet. Uma educação sólida provavelmente leve a pessoa a entender o potencial da internet sem cair em armadilhas.

Um caso importante de como há uma certa histeria em torno de novidades é o do livro eletrônico. Quando surgiu, houve gente que decretou a morte do livro impresso. Impossível, segundo essas pessoas, concorrer com um aparelho capaz de armazenar milhares de obras. Também houve gente que disse que o aparelho não vingaria, que o papel é insubstituível, que nada pode ocupar o cheirinho do livro novo. Passada a fase inicial, o que de fato vem ocorrendo?

O mercado dos livros eletrônicos cresceu. A indústria do livro impresso não morreu. Cada vez mais leitores recorrem ao que chamamos de “leitura híbrida”. Gente que comprou um aparelho que armazena livros eletrônicos e que não abriu mão do livro impresso. Já faz um tempo que as editoras tradicionais notaram que tem muita gente que vê o livro como objeto. E assim as edições de luxo vêm ganhando fôlego. Nesse quesito, o livro impresso é imbatível. Mas as editoras também notaram que muitos leitores optam pela praticidade e por um preço menor. Isso explica o crescimento dos livros eletrônicos.

Ou seja, as invenções transitam muito mais por uma faixa intermediária. No caso do livro eletrônico, quem é faminto por leitura tem à disposição um prato a mais para saborear, sem necessariamente excluir os tradicionais.

Só que uma mudança dessas não tem efeitos humildes. Todo um sistema é abalado. Uma empresa como a Amazon chega forte. Ela não trabalha apenas com livros eletrônicos. A Amazon vende de tudo. Ainda que se leve em conta a complexidade do cenário, alguns desdobramentos são óbvios. Um deles: o declínio das grandes redes de livrarias. O caso da Livraria Cultura é o mais chamativo. Significa que as lojas que vendem livros impressos sumirão?

Não necessariamente. O setor livreiro tem sido marcado pelo crescimento de livrarias menores, mais aconchegantes. Em São Paulo, o bairro de Pinheiros mostra com vigor os novos rumos do setor. Quem impulsiona essas livrarias são clientes que procuram espécies de centros culturais em miniatura. Sabem que os grandes sites vendem, na maioria das vezes, livros mais baratos. Sabem, também, que o preço do livro eletrônico é imbatível. E mesmo assim as coisas vão florescendo.

Na hora das grandes mudanças, conter a euforia e a histeria é fundamental.

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