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Letra Viva

Crime

Artigo escrito por Nelson Fonseca Neto

16 de Julho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Não há como negar: o crime faz parte de nossas vidas. Nossa sociedade é violenta. Há duas maneiras de se lidar com a situação: fingir que entende ou entender de fato.

Conhecer mais ou menos é ingenuidade. Ignorar um problema não faz a mágica de eliminá-lo. Antes fosse assim. Tudo seria muito mais sossegado. Só que a vida não funciona dessa maneira.

Poderíamos ir além. Não compreender algo tenebroso é a mesma coisa que alimentá-lo. Quando o assunto é o mundo do crime, visões equivocadas resultam em tragédias. Trata-se de algo que afeta a todos nós. Recorrer aos clichês rende, quando muito, alguns minutos de conversas nas festas.

É que os clichês são simplificações e certezas perigosas. Num cenário assim desenhado, imaginamos que enfrentar a criminalidade é simples. E é simples porque achamos que a humanidade pode ser dividida entre bons e maus, como se a fronteira entre o crime e a legalidade sempre estivesse nítida. Se fosse assim, não teríamos problemas no mundo.

Imaginamos o bandido sempre andando armado, usando uma máscara no rosto, como se fosse um Irmão Metralha. Isso funcionou de forma hilária no gibizinho do Tio Patinhas. Naquelas páginas, o bandido sempre era trapalhão. A realidade está muito longe daquilo.

Pesquisas importantes apontam que o crime organizado tem, a partir da lavagem de dinheiro, uma participação aterradora na economia formal. Não estamos falando de migalhas. Os números chegam a quase um quinto do dinheiro que circula diariamente pelo mundo. Não é à toa que a palavra “organizado” acompanha a palavra “crime”.

Esqueçam as imagens de esconderijos precários. Pensem em quadrilhas organizadas, com integrantes que conhecem legislação tributária e funcionamento de bolsas de valores. São profissionais. Operam diariamente com transações financeiras de nomes complexos. Há quem diga que a economia mundial conheceria uma crise sem precedentes caso o dinheiro do crime organizado evaporasse de uma hora para outra. Quem diz isso não exagera.

Significa que o jogo está perdido? Não, não está. Há que se ter uma mudança de enfoque. Hoje, o combate ao crime organizado é muito mais uma questão de inteligência do que de força. Quem mostra isso de forma categórica é Roberto Saviano no livro “Zero Zero Zero”, obra indispensável para quem acredita que o conhecimento liberta, ainda que seja sofrido.

Muito bem: o crime está em nossas vidas. Muito bem: compreender como as coisas funcionam é fundamental. Documentários, reportagens e livros de não ficção ajudam bastante na empreitada.

Agora, cá entre nós: o crime rende muito do entretenimento que consumimos. Pensem nas melhores séries surgidas nos últimos anos. “Família Soprano”. “Breaking Bad”. “The Wire”. “Narcos”. Quentin Tarantino não conquistou a fama explorando o lirismo meigo de suas personagens. A literatura que mostra bandidos é das mais bacanas. Elmore Leonard é um dos grandes escritores das últimas décadas. James Ellroy é mestre. Ler Edward Bunker é crucial.

(Falando em Tarantino, uma dica: leiam “Era uma vez em Hollywood”. Isso mesmo: leiam o romance. O filme saiu faz um tempo. Não vi ainda. Terminei o livro há poucos dias. Coisa das mais interessantes: é um romance escrito a partir do roteiro do filme. Normalmente, o caminho segue a direção oposta. Ou seja: o romance vira roteiro. Confesso que fui com um pezinho atrás ler o livro do Tarantino. As primeiras páginas derrubaram meu preconceito. Livraço.)

Chego ao fim do texto de hoje e me dou conta do seguinte: deixei muito nome bom de fora. É a prova de que o crime jamais passará batido por nós.

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