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Letra Viva

Humor e redenção

Artigo escrito por Nelson Fonseca Neto

18 de Junho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Nossa vida seria uma porcaria sem o humor. Ver o lado engraçado das coisas não pode ser confundido com leviandade. Quem ri de tudo o tempo todo está fugindo de alguma coisa. Uma hora a fatura chega. E ela costuma ser dolorosa.

Quem defende o humor como algo essencial sabe muito bem que a vida é dura. E sabe também que a seriedade absoluta é o caminho que desemboca na perplexidade e na amargura de nossa fragilidade. Não é agradável reconhecer que muita coisa não faz sentido, que o mal nem sempre é punido e que o bem nem sempre é recompensado. Por mais que muitas histórias tentem mostrar a vida como ela deveria ser, com aquele final redentor, sabemos como a banda toca. É só abrir o jornal de um dia qualquer.

Por ser algo crucial, o humor é garantia de sucesso. Sempre foi assim e sempre será. Há trechos engraçadíssimos na “Ilíada”. Tarantino é o que é não apenas pela estética da violência; seus filmes são ancorados no humor. Muitos dos clássicos da literatura são divertidos: “Dom Quixote”, parte importante da obra de Eça de Queirós, boa parte da obra de Machado de Assis, Rabelais, trechos de Tolstói e Dostoiévski, as comédias de Shakespeare, a obra satírica de Lima Barreto. A lista é enorme.

Aqui, a questão central é o tipo de humor. O que é ser engraçado? Depende do gosto do freguês. Há quem gargalhe com um sujeito caindo depois de pisar na casca de banana. É um humor mais físico, até hoje explorado com sucesso. Não é o caso de falar mal dessa categoria: é só assistir a um filme do “Gordo e Magro”. O problema é achar que não há mais nada além disso.

Seria exaustivo enumerar as variantes. Fiquemos num caso notável: Thomas Pynchon. Hoje ele está com mais de 80 anos. Ele é um escritor recluso. Há raras fotografias mostrando seu rosto. Pouco se sabe a respeito de sua vida. Ele não aparece na televisão, não participa de noites de autógrafos. Seus livros são cultuados por conta da mistura de erudição enciclopédica e humor calcado no absurdo. Em sua obra máxima, “O arco-íris da gravidade”, encontramos os horrores da Segunda Guerra Mundial mostrados em ritmo de desenho animado. Alguns dos seus romances têm mais de mil páginas. Coisa séria se mistura com abobrinhas. As miudezas são exploradas de um modo que seria impensável em qualquer outro escritor. Suas histórias são aulas de como a vida é grotesca e divertida.

Há quem diga que o humor é um dos emblemas da inteligência. Quem diz isso tem razão. Não é preciso recorrer às altas esferas da arte. Entre os nossos conhecidos, os engraçados brilham de forma diferente. Pode ser um humor mais efusivo ou um humor mais discreto. Um e outro demandam massa cinzenta.

A pessoa engraçada é ótima companhia. Importante não confundir o cara engraçado com o otimista fofo. O cara engraçado pode ser de uma amargura atroz. Muitos dos engraçados são duros na queda. Groucho Marx é um belo exemplo. Machado de Assis não é uma flor de pensamento positivo.

Rir da vida absurda é necessário. Rir de si mesmo é sinal de sanidade mental. O humor sempre nos engrandece.

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