Buscar no Cruzeiro

Buscar

Hora de se reinventar em prol da arte

07 de Junho de 2020 às 00:01

Hora de se reinventar em prol da arte Marcos Boi encontrou nas lives uma forma de continuar a interagir com o público e também conseguir alguma renda. Crédito da foto: Ney Bedin / Tri Amici / Divulgação

Em Sorocaba, como no restante do Brasil e boa parte do mundo, o setor cultural foi um dos primeiros a sentir os impactos da pandemia do novo coronavírus. E, ao que tudo indica, será um dos últimos a sair da crise, já que os espaços de fruição das artes, como teatros, museus, casas de shows e cinemas tendem a ocupar o fim da lista da reabertura gradual das atividades econômicas. Impedidos de levar adiante a realização de suas apresentações, artistas locais buscam diferentes formas de tentar se reinventar -- e têm como aliado em comum a internet.

Músico profissional há quase trinta anos, o bluesman Marcos Boi vinha fazendo uma média de cinco shows por semana, se dividindo entre as regiões de Sorocaba e o litoral norte de São Paulo quando, do dia para a noite, viu os compromissos serem canelados em efeito dominó por conta da pandemia. “Os cancelamentos são justificados, mas é uma questão dramática. Eu estava num momento que eu sempre quis chegar, de estrada e palco. De repente, todo o projeto que eu investi por anos e anos não existia mais. Foi um susto enorme”, comenta.

Como os shows são a sua principal fonte de renda, que é complementada por algumas aulas de violino que conseguiu manter virtualmente, o músico precisou encontrar formas alternativas de apresentar seu trabalho, ao mesmo tempo em que via as suas reservas financeiras minguarem em função das despesas fixas como aluguel. Ainda em abril, Marcos Boi começou transmitir lives de voz e violão em suas redes sociais, com um link para doações facultativas dos espectadores. “O mês de abril foi excelente, maio começou a cair e agora não dá quase nada”, revela. Mesmo assim, o músico manteve as lives semanais porque, segundo ele, o deixam em contato com seu público. “As pessoas estão carentes e trancadas dentro das casas, então [nas lives] há uma troca afetiva. As pessoas se envolvem, interagem e pedem canções”, comenta.

O músico, então, decidiu abrir uma nova frente de trabalho e em parceria com o ator e contador de história Zé Bocca lançou o projeto “Contos Quarentênicos”, que consiste em pequenos contos narrados e editados, que são enviados semanalmente às respectivas redes de contatos por WhatsApp. “E se quiser colaborar, passamos o chapéu virtual”, informa a dupla.

Enquanto isso, confinado em casa e respeitando o distanciamento social, saindo apenas quando é muito necessário --, Boi montou um home studio onde tem produzido um EP (extended play) com músicas autorais inéditas, a ser lançado ainda este ano nas plataformas digitais. O primeiro single, um blues com críticas políticas, intitulado “Põe a vida em primeiro lugar”, já está disponível no Youtube. Ainda com auxílio da internet, o músico aproveita o tempo restante para assistir a aulas on-line de marketing digital e tutoriais de edição de vídeo. “Tenho usando muito esse período em atividades que não remuneram, mas que somam com o meu trabalho”, complementa.

Estúdio caseiro

Hora de se reinventar em prol da arte Digo Ferreira mergulhou em seu estúdio caseiro para se dedicar a projetos musicais que podem seguir mesmo no isolamento. Crédito da foto: Neube Neto / Divulgação

Guitarrista, compositor e arranjador com dois discos autorais já lançados, o sorocabano Digo Ferreira também começou o ano com agenda cheia de shows na região de Sorocaba e na Capital, onde também atua como “sideman” (músico de apoio) de vários artistas. Com o advento da pandemia, ele logo se viu obrigado a trocar os palcos pelo seu estúdio caseiro e, claro, a rede mundial de computadores. Desde então, já realizou dezenas de gravações, de singles e vídeos, de diferentes projetos musicais que vêm sendo lançados paulatinamente. Dentre eles, destaca Ferreira, estão um EP da Banda da Feira, um álbum instrumental em dueto com o pianista Marcos Alma e um novo projeto solo intitulado “Digo Ferreira e Coletivo Arrebol”.

Este último faz referência ao icônico álbum “Arrebol”, de Dominguinhos, que revolucionou o forró, inserindo harmonias mais modernas e espaços para a improvisação. “O primeiro vídeo, que será lançado em nas plataformas, foi gravado 100% a distancia, cada um da sua casa, incluindo um músico de Portugal”, comenta Digo, que ainda tem sido presença constante em lives de editais de fomento e de iniciativas beneficentes na capital paulista.

Para Digo Ferreira, independentemente da linguagem, a pandemia está impondo a artistas de todo o mundo necessidade de conhecer melhor a internet e dominar ferramentas capazes de viabilizar produções e torná-las acessíveis ao público -- e que tende a mudar as perspectivas e experiências das artes no mundo pós-pandemia. “Acho que essas mudanças vieram para ficar”, considera.

Fora de cena

Hora de se reinventar em prol da arte O ator Guilherme Telli desenvolveu o projeto “Coronavidius”, uma série de vídeos curtos, com textos poéticos, pertinentes ao atual momento. Crédito da foto: Divulgação

Diante das cortinas dos palcos fechadas por tempo indeterminado, o ator votorantinense Guilherme Telli procurou dar sentido aos tempos de isolamento social com o projeto “Coronavidius”, uma série de vídeos curtos na internet, com textos poéticos pertinentes ao atual momento, “em especial ao universo peculiar dos artistas e seus dramas -- mais intensificados com a pandemia”, afirma. Os vídeos, ou “experimentações cênico-poéticas audiovisuais”, como Telli prefere chamá-los, estão sendo disponibilizados no canal do artista no Youtube e divulgados em primeira mão para a sua rede de amigos, com o convite de contribuição com qualquer quantia, em depósito na conta bancária. “As redes geram uma comoção coletiva, estes se unem e se fortalecem. Tenho visto muitos artistas dando força uns aos outros. Acredito que as redes têm muita força, mas isso sempre vai depender daqueles que a utilizam para bons fins”, assinala.

Idealizador do projeto nascido em meio à pandemia, Telli afirma que a situação o obrigou a se familiarizar mais com as ferramentas e tecnologias do projeto audiovisual, que tem o apoio de Nando Gati (fotografia) e Alexandre Valentim (edição). “Essa rede de afetos também ocorre na hora de produzir algo. Parece um contra-senso, já que precisamos nos isolar, mas é neste momento que os parceiros se solidarizam e estendem as mãos”, complementa, destacando que as gravações ocorrem sempre dentro de casa e seguindo as orientações de distanciamento social. (Felipe Shikama)

Galeria

Confira a galeria de fotos