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Hamilton Sbrana e seu camarim aberto ao público em geral

02 de Dezembro de 2018 às 08:10

Um camarim aberto ao público em geral Voltada a peças mais intimistas, para uma plateia compacta, a sala de espetáculos foi inspirada nos teatros de bolso situados nos mezaninos dos pubs da região central de Londres. Crédito da foto: Erick Pinheiro

Recinto íntimo e inviolável do ator, o camarim é espaço exclusivo onde entram apenas pessoas autorizadas pelo artista, mas em Sorocaba um deles teve as portas abertas ao público em geral. Pelo menos no espaço cultural que funciona dentro da casa do premiado e experiente diretor teatral sorocabano Hamilton Sbrana. Inaugurado há sete anos com o certeiro nome de Camarim - Casa do Ator, o sobrado de três andares situado na rua Vicente Decária, 373, no Jardim Rosália Alcolea, na zona leste, conta com um teatro de bolso com capacidade máxima para 40 pessoas.

Palco de peças dirigidas por Sbrana, sempre com ingressos vendidos a preços populares, o espaço independente também costuma receber temporadas de companhias convidadas, bem como ensaios e aulas de artes cênicas para turmas infantil e da terceira idade. A transformação da sala da própria casa em palco teatral foi resultado de um percurso natural trilhado por Sbrana, que em 43 anos de carreira soma 74 produções concretizadas -- muitas outras em progresso na sua cabeça inquieta. “Isso aqui começou sendo um espaço para ensaios, porque, até então, a gente tinha que emprestar chácaras de amigos ou alugar galpões. Atendendo ao pedido das pessoas, comecei a dar aulas; virou uma escola [de teatro] e um espaço alternativo para apresentações”, relata.

Voltada a peças mais intimistas, para uma plateia compacta, a sala de espetáculos foi inspirada nos teatros de bolso situados nos mezaninos dos pubs da região central de Londres, conhecida como West End, onde Sbrana viveu durante boa parte da juventude, dos 22 aos 29 anos. “É o [circuito] off Broadway da Inglaterra. Vi muitos espetáculos lá e fiquei maravilhado. Desde então, sempre quis ter um espaço neste formato”, recorda.

Equipado com moderno rider técnico de luz e som e com condições adequadas de acessibilidade, o teatro de bolso ocupa uma grande sala no andar térreo do sobrado. A garagem tem as paredes cobertas por cartazes de divulgação de algumas de suas montagens e, em noite de espetáculos, se transforma em uma espécie de hall, que acomoda o espectadores, geralmente servidos de petiscos até o soar da campainha, que prenuncia o início do espetáculo.

Antes de se acomodar nas cadeiras almofadadas de revestimento marrom, o espectador é obrigado a passar por uma antessala decorada com uma singela prateleira com troféus conquistados em festivais competitivos, que têm seus brilhos refletidos nos espelhos de grandes dimensões pendurados nas paredes, tal como os de um camarim. “O que me faz manter esse espaço é o amor que tenho pelo teatro”, diz.

Espaço formou cerca de 300 alunos

Um camarim aberto ao público em geral Sbrana conta que a inauguração foi em 2011, como escola de formação de artes cênicas. Crédito da foto: Erick Pinheiro

Fisicamente e emocionalmente, o Camarim - Casa do Ator é inseparável de seu criador, cuja paixão pelo palco floresceu quando tinha apenas 5 anos de idade. “No pátio do CEI-01, onde hoje é o terminal de transferência da zona oeste, tinha um palco que via toda vez que passava em frente e ficava encantado. Por causa disso, pedi ao meu pai me colocar na escola antes mesmo da idade adequada”, conta, acrescentando, que, nesta época, sua brincadeira favorita em casa era fazer dos lençóis estendidos no varau imponentes cortinas de seu espetáculo solo. “Para assistir, cada vizinho tinha que pagar um palito de fósforo”, detalha.

A vocação de ator se confirmou em seguida, quando foi coroinha da Paróquia Bom Jesus dos Aflitos. “É um ritual todo ensaiado. Eu usava ‘figurino’ e, além disso, naquela época, todo mundo tinha curiosidade de saber o que tinha atrás do altar”. Na comunidade católica da Vila Hortência, Sbrana fez parte do Grupo de Jovens, onde atuou e dirigiu suas primeiras montagens teatrais. Um dos maiores feitos, recorda-se, foi “A vida de São Francisco”, que tinha 40 atores no elenco, e está gravada na história como a primeira peça de grupo amador e ser encenada no Teatro Municipal Teotônio Vilela (TMTV).

Paralelamente ao grupo da igreja -- do qual fez parte até se mudar para a Europa --, Hamilton Sbrana ainda frequentava o colegial em 1977 quando foi convidado para integrar o Grupo Mordaça, coletivo formado por alunos da Faculdade de Ciências Contábeis e Administrativas de Sorocaba (Faccas). Ao lado do dramaturgo e roteirista Necyr Xavier e do diretor teatral Carlos Roberto Mantovani, ambos já falecidos, Sbrana fez uma ponta na montagem de “As feiticeiras de Salém”, de Arthur Miller, que rendeu uma elogiosa crítica no jornal, assinada por Armando Oliveira Lima.

Na montagem seguinte, o jovem ator reinava sob o papel de Creonte, protagonista da tragédia grega “Antígona”, de Sófocles.

Ao retornar da Europa, Sbrana se profissionalizou no teatro e criou o Grupo Ignição, dedicado a teatro de treinamento empresarial. O espaço Camarim Casa do Ator, por sua vez, foi inaugurado em 2011, como escola de formação de artes cênicas, tendo como convidada para a aula magna a premiada atriz e diretora musical sorocabana Fernanda Maia. “Neste tempo, quase 300 alunos passaram por aqui”, contabiliza.

Reabertura está marcada para abril

Um camarim aberto ao público em geral Grupo da terceira idade Cara e Coragem em cena da peça “No fundo do poço”. Crédito da foto: Divulgação

Da turma de teatro infantil nasceu a companhia X da Cena, e a da terceira idade o Cara e Coragem, que possuem dezenas de montagens no repertório. Em virtude do adoecimento de dona Letícia, mãe de Sbrana, que faleceu em abril, tanto as aulas quantos os ensaios dos grupos tiveram suas atividades suspensas em 2018, mas segundo ele, deverão ser retomadas em breve. Até lá, o espaço segue recebendo apresentações eventuais de grupos parceiros.

A reabertura oficial do Camarim Casa do Ator está prevista para ocorrer em abril de 2019, com a temporada do espetáculo “Gavetas do corpo”, contemplado no Edital Ademar Guerra de qualificação em artes, da Secretaria Estadual de Cultura, e pela Lei de Incentivo à Cultura de Sorocaba (Linc). A montagem que marcará o retorno de Hamilton Sbrana aos palcos é uma sequência da pesquisa de teatro físico e dança-teatro iniciada em “Mariposas” (2016), ao lado da atriz Maria Helena Barbosa e do ator e bonequeiro Júlio César Scandolo. “O Camarim vai continuar existindo porque a arte tem que continuar resistindo”, garante.

Esta reportagem dá início à série “Palco independente”, do Mais Cruzeiro, que nos próximos domingos apresentará espaços privados e independentes de cultura destinados à formação, pesquisa e fruição das artes cênicas em Sorocaba.

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