Espetáculos revisitam obras teatrais de Consuelo de Castro
Autora, que chegou a ser censurada, trabalhava com temas sociais. Crédito da foto: Divulgação
Um dos nomes mais importantes do teatro brasileiro, Consuelo de Castro (1946-2016) é revisitada com duas montagens: Aviso Prévio, que estreou na sexta (5), no Teatro Viga, e Medeia por Consuelo de Castro, em versão exibida pela cia BR 116 em seu canal no Youtube. A simultaneidade dos espetáculos chama a atenção. Ainda que tenha deixado um legado consistente e seja dona de uma das prosas mais cortantes da nossa literatura, Consuelo faz parte de toda uma geração pouco explorada pelas encenações contemporâneas.
“Não é por acaso que Consuelo retorna agora”, considera Bete Coelho, que protagoniza a montagem de Medeia. Para a atriz, vivenciamos um período de crescente autoritarismo, propício a um retorno às reflexões trazidas pela dramaturga. “Estamos vivendo um tempo em que querem nos desviar da verdade e até mesmo desfazer a história.”
Lançado em 1968, ano de endurecimento do regime militar, Prova de Fogo foi o primeiro texto de Consuelo de Castro. Censurada já na origem, antes mesmo de chegar ao palco, a peça tratava justamente da agitação política no movimento estudantil da época A criação seguinte, À Flor da Pele, foi encenada em 1969 e continuava gravitando em torno da conflituosa situação vivida pelo País naquele momento. Apresentava a temática, porém, em outra chave. A partir do embate de um casal de amantes -- uma jovem idealista e um homem de meia-idade conservador -- a autora equacionava aspectos que perdurariam na sua obra, como a necessidade de transformação social e as desiguais relações de poder entre homens e mulheres.
Tanto Medeia quanto Aviso Prévio fazem parte de uma segunda fase na trajetória da escritora, iniciada nos anos 1980. Mantém-se uma consistência em relação aos temas e a seu perfil combativo, mas há uma reinvenção formal, com uma dramaturgia mais fragmentada e complexa. A psicanálise também entra com força em suas criações, trazendo camadas extras na composição das personagens.
Concebida com o título de Medeia em Mar Aberto - e rebatizada como Medeia por Consuelo de Castro pela cia BR 116 - a obra redimensiona a tragédia clássica de Eurípedes, ampliando a dimensão da traição sofrida pela protagonista. A mítica figura grega que abandonou seu povo e seu país para seguir Jasão, líder dos Argonautas, não se revolta por um abandono de natureza apenas conjugal. Ao se casar com Glauce, filha do rei Creonte, Jasão rejeitaria também os ideais de justiça que motivaram o casal a fugir e roubar o Velocino de Ouro.
Em Aviso Prévio, o olhar recai sobre um casal prestes a se separar - oportunidade de mais uma vez ir fundo na desequilibrada relação entre gêneros. “Trata-se de um estudo onírico sobre o casamento e o descasamento”, pontua a diretora Clara Carvalho.
Nesse estudo, somos apresentados aos personagens Oz e Ela, que não irão levantar questionamentos apenas acerca de sua frustração amorosa, mas também sobre questões sociais, insatisfação existencial e a finitude da vida. Montada pela primeira vez em 1987, com Nicette Bruno e Paulo Goulart, a peça agora é novamente encenada por atores casados na vida real: Fernanda Couto e Kiko Vianello.
Mesmo com o retorno à fase vermelha do Plano São Paulo, a estreia presencial será mantida. A temporada no teatro retorna no dia 20, se mantidas as determinações do governo do Estado. Mas as sessões poderão ser acompanhadas on- line a partir do dia 16. (Estadão Conteúdo)