Aos 75, Ivan Lins canta o que o momento pede
O cantor e compositor Ivan Lins: “Preciso do calor humano”. Crédito da foto: Pedro Negrão / Arquivo JCS (25/4/2015)
Não é difícil ver versos de músicas de Ivan Lins em posts de redes sociais. A obra do compositor, que em 2020 completou 50 anos de carreira e 75 de vida, permanece pungente e induzindo a reflexões. Gravado por nomes como Elis Regina, Nana Caymmi, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan e Sting, Ivan não se cala diante de questões que o atormentam, como o governo Jair Bolsonaro, a corrupção e a demonização da classe artística. “Os fatos que essas letras trazem se repetem. A corrupção, o mau político, a grosseria, a estupidez e a mediocridade sempre voltam”, diz.
O compositor, que atualmente se divide entre Lisboa e Petrópolis, no Rio, estava na capital portuguesa quando a pandemia começou. Teve de esperar para voltar ao Brasil e, aos poucos, retomar as atividades. Um disco só com músicas em parceria com Vitor Martins está em compasso de espera. A turnê que comemoraria as cinco décadas de atividade, também.
Na última sexta (26), ele se apresentou no Teatro J. Safra, em São Paulo, com 40% de sua capacidade de público disponível, acompanhado apenas pelo tecladista Marco Brito. No repertório, canções como “Vieste”, “Bilhete” e “Iluminados”. “Canto o que este momento pede: canções mais líricas, de letras mais intensas. Essa é a minha mensagem. O povo brasileiro tem uma carência afetiva imensa”, diz.
Você não fez live, apenas uma participação na que comemorou seu aniversário. Por quê?
Fiz pouca coisa neste tempo de pandemia. Dois ou três shows em Portugal. Alguns passaram pela internet. Em dezembro, fiz uma apresentação com a Jazz Sinfônica de São Paulo, metade dela, e o MPB4 que foi linda. Foi o único show com público que fiz no Brasil até agora. Preciso sentir o calor humano, a respiração das pessoas. Isso é essencial para a arte.
Estava preparando um disco chamado “Canções de Rua, Canções de Amor”, com letras do Vitor Martins. Ele está pronto?
Está parado. Esta coisa da pandemia nos tira um pouco o ânimo. Quem tem 35, 40 anos, até se anima em produzir mais. Quando você bate nos 50 anos de carreira como eu, acha que já fez muito, quer selecionar mais. Embora tenha composto muita coisa neste período. Inaugurei uma parceria nova com Joyce e Marcos Valle, outra com Valle e a Zélia Duncan. Estou batendo bola com outros parceiros. Esse disco com o Vitor, vou esperar. Gosto de compor presencialmente. Ir com o Vitor para uma fazenda para fazer as canções juntos, como sempre fizemos.
Você tem atuado na defesa dos direitos autorais. O meio digital tem sido correto com autores e intérpretes?
O direito autoral se modernizou e está respondendo muito bem à classe musical. Porém, há um problema que as sociedades de classe e o Ecad sofrem que é a arrecadação nos meios digitais. Com a internet, ela caiu drasticamente. Vivemos de show, do direito de execução. Com a pandemia, sem apresentações ao vivo, ficou tudo muito complicado. As plataformas digitais nos pagam uma cocada e uma mariola. É totalmente injusto. O compositor ficou no final da fila. Todo mundo ganha dinheiro e, no final, o que sobra vai para o compositor. Deveria ser o contrário. (Danilo Casteletti - Estadão Conteúdo)