Editorial
Colcha de retalhos
Enquanto o governo torce para que seus projetos andem no Congresso, os analistas de mercado vão perdendo a confiança nas medidas econômicas propostas
O governo tem pressa em aprovar uma série de medidas econômicas no Congresso Nacional.
Muitas delas, para ter validade no ano que vem, precisam estar sancionadas até 31 de dezembro.
Sem isso, vai ser difícil cumprir o orçamento de 2024 e zerar o déficit, como prometido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
As turbulências entre Supremo Tribunal Federal e Congresso botaram mais lenha na fogueira.
Senadores e deputados elegeram outras prioridades antes de discutir as pautas caras ao governo.
A mais urgente é a definição temporal do marco legal para demarcação de terras indígenas.
Em votação, o STF já derrubou a regra atual, e os parlamentares têm pressa em garantir a manutenção dos mecanismos vigentes.
A votação do relatório está prevista para esta semana e a ideia é mostrar aos ministros da Corte quem é responsável pela elaboração das leis.
Outros dois temas em pauta no Supremo também incomodam boa parte do Parlamento: a liberação do porte de drogas e do aborto até a 12ª semana de gestação.
As bancadas mais conservadoras, ligadas a grupos religiosos, ao agronegócio e à liberação das armas, prometem obstruir as sessões até que a interferência do STF esteja resolvida.
A posse do novo presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, pode ajudar a melhorar essa relação.
Vai depender de uma decisão dele a retomada da discussão desses dois casos considerados polêmicos.
Mesmo com esse cenário de dúvidas e de muita reclamação, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, afirmou, nesta segunda (25), que o Congresso Nacional não será empecilho para a agenda econômica do governo.
Pacheco disse que Câmara e Senado podem se debruçar, ao mesmo tempo, sobre os temas mais urgentes, com destaque para a reforma tributária.
Sobre esse tema, Pacheco garantiu que pretende estabelecer outubro para a apreciação do relatório na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), levando-o, em seguida, para o plenário do Senado.
Ele disse acreditar que a reforma tributária não vai travar ou atrasar outras votações fundamentais, que podem evoluir nas duas casas legislativas ao mesmo tempo.
Um dos pontos cruciais é o programa Desenrola, ainda pendente de decisão.
A urgência, nesse caso, é ainda maior já que a Medida Provisória, que criou o benefício, caduca semana que vem, no dia 3 de outubro.
E se até lá o Congresso não ratificar as regras, o programa teria de ser paralisado.
Também estão pendentes as discussões sobre o projeto de lei que taxa fundos exclusivos e offshores e o marco das garantias, já votado no Senado e que aguarda ratificação por parte dos deputados.
Como se não bastasse o conflito com o STF, outro componente tem dificultado as negociações com o Parlamento.
Centenas de prefeitos têm-se queixado da queda de arrecadação dos municípios.
Em muitas cidades, o orçamento já está no vermelho e vários contratos e serviços sendo cancelados.
Os protestos e ameaças de greve pipocam em todas as regiões do país.
Na quinta-feira (28), deve ocorrer uma sessão no Congresso para receber os prefeitos de todo o país e discutir o assunto.
A situação política torna-se ainda mais dramática se considerarmos que, ano que vem, teremos eleições municipais.
Sem dinheiro para obras e com as contas atrasadas, muitos prefeitos temem não se reeleger ou não eleger um sucessor.
Isso aumenta a pressão sobre os congressistas que apostam nesses cabos eleitorais com força regional para apoiá-los em 2026.
Enquanto o governo torce para que seus projetos andem no Congresso, os analistas de mercado vão perdendo a confiança nas medidas econômicas propostas.
Para muitos deles, falta um planejamento mais estruturado, no qual todas as mudanças possam convergir para um mesmo ponto.
O que parece, até agora, é uma grande colcha de retalhos, com algumas iniciativas boas e outras desastrosas.
É praticamente impossível prever como todo esse mecanismo vai funcionar em conjunto.
A bola está na mão do Congresso Nacional.
A nossa esperança é que os jogadores escalados pela população pensem mais na torcida que em seus próprios benefícios e analisem bem os seus votos.
Depois que o estrago estiver feito, vai ser difícil corrigir.