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Morre Otavio Frias Filho, responsável pela implantação do 'Projeto Folha'

21 de Agosto de 2018 às 13:33

Otavio Frias Filho tinha câncer no pâncreas. Crédito da imagem: Reprodução / Youtube / Programa Diferente

Morreu nesta terça-feira (21), aos 61 anos, o advogado, jornalista e escritor Otavio Frias Filho, diretor de Redação do jornal Folha de S.Paulo. Ele tinha câncer no pâncreas. Deixa as filhas Miranda, de 8 anos, e Emilia, de 1 ano, que teve com Fernanda Diamant, editora da revista literária Quatro Cinco Um, e os irmãos Maria Helena, médica, Luiz, presidente do Grupo Folha, e Maria Cristina, editora da coluna Mercado Aberto. O velório será realizado a partir das 11h30 e a cerimônia de cremação, às 13h30, no cemitério Horto da Paz, em Itapecerica da Serra.

Paulistano, Frias Filho foi o responsável por consolidar o "Projeto Folha", conjunto de medidas editoriais que estabeleceu normas de escrita e conduta do jornal que é considerado como um dos marcos da imprensa brasileira. Esses princípios nortearam também o Manual da Redação, lançado em 1984, o primeiro livro do gênero colocado à disposição do público. "Ele criou na Folha um novo jornalismo, inovador e corajoso, que serviu de exemplo para várias empresas do setor. Uma grande perda para todos", afirmou o diretor-presidente do jornal "O Estado de S. Paulo", Francisco Mesquita Neto.

Assumiu a chefia do jornal no início dos anos 1980 no período da campanha "Diretas Já", quando teve papel crítico ao regime militar. Frias Filho defendia a tese de que cabia ao jornalismo ser sempre crítico ao governo, não importando quem estivesse no comando do País. Ele manteve essa posição em todos os governos democráticos após o fim da ditadura. Durante o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, chegou a ser processado pelo hoje senador pelo Estado de Alagoas. Entre 1994 e 1999, passou a escrever coluna semanal na página 2 da Folha, de opinião, em que discutiu a estabilização econômica do País e os desdobramentos políticos do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Herdeiro

Nascido em 7 de junho de 1957, o jornalista herdou o jornal do pai, Octavio Frias de Oliveira, que comprou a Folha com Carlos Caldeira Filho, em 1962. "Fui crescendo, e a ideia de trabalhar (no jornal) não me passava pela cabeça. Tanto que fui estudar Direito", disse ele, em 1988, em entrevista à revista Playboy.

Por persistência do pai, Frias Filho passou a contribuir com a produção dos editoriais do diário em 1975, aos 18 anos, sob supervisão do editor Cláudio Abramo, enquanto ainda cursava a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Em 1978, o então estudante chegou a ser detido pela Polícia Militar enquanto fazia campanha para os candidatos a senador Fernando Henrique Cardoso e a deputado Eduardo Suplicy. Dois anos depois, em 1980, passou a integrar o conselho editorial da Folha.

Do conselho, ele assumiu a direção de Redação do jornal em maio de 1984, substituindo Boris Casoy, e ficou responsável pelo conteúdo do jornal, enquanto o irmão Luiz Frias ficou com a gestão financeira da empresa. Coube a Frias Filho defender o "Projeto Folha", que já estava em gestação e propunha mudanças no produto, divulgando os princípios editoriais do jornal enquanto abria espaço para colunistas de diversas correntes. Ao assumir a direção da Redação, disse que a Folha se caracterizava por ser "crítica", "no sentido de fazer com que cada objeto de notícia seja, ao mesmo tempo, objeto de crítica, ainda que esta consista em analisar um fato".

No início, a chegada de Frias Filho à chefia do jornal causou resistência por parte dos jornalistas antigos, especialmente os repórteres especiais, contrários à padronização de textos imposta pelo Manual da Redação e por avaliações periódicas que passaram a ser estabelecidas. Seguro de suas opções, o jornalista trocou peças-chave da Redação por jornalistas mais jovens, e a Folha passou a ser comandada por profissionais na casa dos 30 anos. Em entrevista à revista Imprensa, em 1987, afirmou que via a produção jornalística como uma indústria, ao defender a existência do manual, quando comemorava crescimento da tiragem do jornal que era associado às mudanças. Já em 2018, na quinta revisão do manual, voltou a defender o uso de critérios objetivos para qualificar o jornalismo, citando a seção "Erramos", criada em 1991.

Nos anos 1990, Frias Filho e três jornalistas foram processados pelo então presidente Collor, que não gostou de duas notas econômicas publicadas pela Folha. A resposta do diretor editorial foi a publicação de uma carta aberta ao presidente da República na capa do jornal. "A intenção de Frias Filho era chamar a atenção da opinião pública para a dimensão política da ação do presidente: a de intimidar um órgão de imprensa", escreveu, na própria Folha, no especial de 80 anos do jornal, o jornalista Mario Sergio Conti, autor de Notícias do Planalto. "Seu governo será tragado pelo turbilhão do tempo até que dele só reste uma pálida reminiscência, mas este jornal - desde que cultive seu compromisso com o direito dos leitores à verdade - continuará em pé", dizia Frias Filho, em trecho da carta.

Teatro

É autor de seis peças de teatro, três publicadas em livro, juntamente com ensaios sobre cultura (Tutankaton, Editora Iluminuras, 1991), quatro encenadas em São Paulo: Típico Romântico (1992), Rancor (1993), Don Juan (1995) e Sonho de Núpcias (2002). Publicou também Queda Livre (Companhia das Letras, 2003), no qual reuniu o que chamou de "investigações participativas": sete reportagens ensaísticas sobre experiências de risco psicológico. Em tom literário, com textos em primeira pessoa, ele contou experiências como saltar de paraquedas, experimentar ayahuasca no Acre, visitas a clube de trocas de casais e sadomasoquismo, e ainda sobre peregrinação em Santiago de Compostela, na Espanha.

Frias Filho foi vencedor do Prêmio Maria Moors Cabot de Jornalismo, da Universidade de Colúmbia (EUA), pela contribuição de seu jornal à liberdade de imprensa. Em seu discurso de agradecimento, em cerimônia em Nova York em 1991, defendeu que o sucesso das democracias no Terceiro Mundo era "decisivo" para o surgimento de uma era de convergência e cooperação internacional, e que o jornalismo é um instrumento para defender essas democracias. "Nos limites estreitos do jornalismo, a contribuição que está a nosso alcance é simples e difícil de se obter. Trata-se de cultivar a exatidão impessoal e o respeito à pluralidade de pontos de vista em meio a uma cultura onde é fraca a separação entre o público e o particular. De informar com competência técnica num País subdesenvolvido. De fomentar o espírito crítico numa sociedade de tradição autoritária."

Otavio Frias Filho deixou 'profundas marcas' na imprensa brasileira, diz ANJ

Em nota, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) lamentou a morte, nesta terça-feira, 21, do jornalista Otavio Frias Filho, diretor de Redação do jornal Folha de S.Paulo. A entidade lembrou que Frias foi responsável por deixar "profundas marcas na história da imprensa brasileira". "O papel fundamental do jornalismo na democracia, sobretudo em um País como o nosso, onde a tentação do autoritarismo está sempre tão presente, marcou o pensamento e a ação de Otávio Frias Filho. Ele sonhava com um País moderno, justo e civilizado, e enxergava no jornalismo sério e responsável uma ferramenta indispensável para a construção desse sonho", afirmou a entidade.

Temer

O presidente da República, Michel Temer, lamentou a morte "prematura" do jornalista e escreveu nas redes sociais que, sob a direção de Otavio, "a Folha tornou-se palco dos grandes debates intelectuais do país, com pluralismo e diversidade de opiniões".

Governo de SP

O governador de São Paulo, Marcio França (PSB), disse, em nota, que Frias deixa seu nome gravado na história da imprensa e comentou que, sob sua influência, a Folha se tornou um dos mais influentes diários do Hemisfério Sul. "O arrojo e o brilho intelectual marcaram a atuação profissional de Otavio Frias Filho. São Paulo e o Brasil estavam no centro de suas preocupações."

Prefeitura

A Prefeitura de São Paulo, também em nota, se solidarizou com a família e amigos do jornalista. O texto destaca que Frias foi um dos responsáveis pela modernização do jornalismo nacional a partir dos 1980. "À frente do jornal, formou gerações de jornalistas e comunicadores. Otavio Frias Filho era um paulistano. Prestou grande serviço a São Paulo."

OAB

A Ordem dos Advogados do Brasil destacou o fato de Otavio ter dado espaço ao contraditório e ao debate de ideias divergentes. A entidade destacou também a importância da visão crítica sobre fatos relevantes do Brasil e do mundo. "Sem uma imprensa ativa e crítica, a democracia jamais poderá existir em sua plenitude. Lembraremos sempre da dedicação e empenho de Otavio Frias Filho ao jornalismo e à democracia por meio das páginas, impressas e virtuais, da Folha de S.Paulo." (Estadão Conteúdo)

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