Gilmar mantém proibição a cultos e missas
Gilmar Mendes criticou a “postura negacionista” de Kassio. Crédito da foto: Fellipe Sampaio / STF (9/3/2021)
Na contramão do ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), que liberou missas e cultos em todo o Brasil no pior momento da pandemia, o colega de Corte Gilmar Mendes negou ontem (5) pedidos do Conselho Nacional de Pastores do Brasil e do PSD para derrubar o decreto do governo de São Paulo que vetou atividades religiosas coletivas presenciais durante as fases mais restritivas do plano de combate ao novo coronavírus. Com as decisões contraditórias, caberá ao Plenário do Tribunal pacificar a questão.
O próprio Gilmar Mendes quer que o assunto seja debatido com urgência no Colegiado. O presidente do STF, Luiz Fux, deve levar a questão para análise do plenário amanhã (7). Em julgamento no ano passado, os ministros deram autonomia a governadores e prefeitos para definirem medidas de isolamento social.
“Em um cenário tão devastador, é patente reconhecer que as medidas de restrição à realização de cultos coletivos, por mais duras que sejam, são não apenas adequadas, mas necessárias ao objetivo maior de realização da proteção da vida e do sistema de saúde”, escreveu Gilmar Mendes.
O ministro ainda afirmou que “apenas uma postura negacionista” permitiria concluir que a “excepcionalidade” das restrições às celebrações religiosas neste momento de nova escalada da pandemia violaria direitos fundamentais. “Uma ideologia que nega a pandemia que ora assola o País, e que nega um conjunto de precedentes lavrados por este Tribunal durante a crise sanitária que se coloca”, disparou. “As medidas impostas foram resultantes de análises técnicas relativas ao risco ambiental de contágio pela Covid-19 conforme o setor econômico e social, bem como a necessidade de preservar a capacidade de atendimento da rede de serviço de saúde pública.”
Na prática, ao autorizar missas e cultos às vésperas da Páscoa, Nunes Marques se antecipou a Gilmar Mendes, que havia indicado que não tomaria uma decisão antes do feriado, apesar das manifestações em regime de urgência enviadas pela Procuradoria-Geral da República e pela Advocacia Geral da União pedindo a abertura de igrejas e templos.
Críticas
O decano do Supremo Marco Aurélio Mello criticou a liminar de Nunes Marques. “Pobre Judiciário”, disse o ministro. “O novato, pelo visto, tem expertise no tema. Pobre Supremo, pobre Judiciário. E atendeu à Associação de juristas evangélicos. Parte legítima para a ADPF (tipo de processo que discute cumprimento à Constituição)? Aonde vamos parar? Tempos estranhos!”, prosseguiu.
A decisão de Nunes Marques inaugurou uma corrida ao Supremo, com pedidos do partido Cidadania e do prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), que chegou a ser intimado por Nunes Marques a cumprir a liminar depois de anunciar nas redes sociais que não seguiria a ordem do ministro.
O presidente da Frente Nacional de Prefeitos, Jonas Donizette, também pediu que o presidente do STF, Luiz Fux, se manifeste com urgência sobre a decisão monocrática de Nunes Marques. O ex-prefeito de Campinas disse que decisões judiciais precisam ser cumpridas, mas que a liminar de Nunes Marques está em “flagrante contradição” com o posicionamento do Tribunal -- o que, em sua avaliação, “atrapalha” o enfrentamento ao coronavírus.
Petição inicial era para ‘práticas sem aglomeração’
Kassio Nunes Marques. Crédito da foto: Arquivo JCS
A ação na qual o ministro Kassio Nunes Marques liberou a realização de cultos e missas em meio ao pior momento da pandemia no País chegou ao Supremo Tribunal Federal em junho de 2020 -- momento em que a Covid-19 havia matado 40 mil brasileiros e o antecessor de Kassio, o ministro aposentado Celso de Mello, ainda integrava o STF. Na ocasião, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos pediu ao então decano que derrubasse decretos municipais e estaduais que haviam vedado atividades religiosas e o funcionamento dos templos sem ressalvar práticas religiosas que não gerassem aglomeração -- o que não incluía cultos e missas.
“Frise-se que, para os religiosos, os cultos públicos são atividades fundamentais e irrenunciáveis. Abdicar do ajuntamento presencial tem sido um sacrifício para religiosos de todo o mundo. Ainda assim, por amor à comunidade e em nome da prudência e do bom senso, é o que se tem feito na maior parte das organizações religiosas do Brasil”, registrou a Anajure na ocasião.
A entidade listou atividades que teriam sido impactadas pelos decretos questionados: serviços de capelania, ações de cunho social e filantrópico, atividades eclesiásticas administrativas e até transmissões de cerimônias religiosas por meios virtuais, quando não há público presente.
O argumento da entidade era o de que tais atividades seriam “inerentemente conectadas ao exercício da liberdade religiosa” e estariam unidas por “terem sido indevidamente restringidas durante a pandemia”. “Com exceção dos cultos presenciais públicos, nenhuma gera aglomeração”, frisou a Anajure na petição inicial.
O documento de 32 páginas reconhece que uma das medidas adotadas para conter o avanço da Covid-19 foi a suspensão dos cultos públicos presenciais, “vez que a aglomeração de pessoas nesses locais poderia impulsionar a proliferação do vírus”. A entidade ainda destacou que muitas igrejas, antes mesmo de qualquer determinação, transferiram suas cerimônias religiosas para o ambiente virtual. (Estadão Conteúdo)
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