Editorial
Brasil no vermelho
As contas do governo central registraram, no mês passado, o pior desempenho para o mês de junho desde 2021
O governo federal insiste em brigar com a realidade. Gasta muito mais do que arrecada, dificulta a recuperação econômica do país e coloca tudo na conta da taxa básica de juros que, desde o ano passado, está no mesmo patamar. Só que essa desculpa esfarrapada está prestes a acabar. Na reunião agendada para agosto, o Comitê de Política Monetária (Copom) deve cortar a Selic em meio ponto percentual. Qualquer analista sério sabe que a curto prazo isso vai modificar muito pouco a realidade nacional.
O presidente Lula e seus seguidores esquecem-se de que para a taxa de juros seguir em queda é preciso fazer a lição de casa. Cortar gastos, enxugar a máquina pública e melhorar o desempenho da administração direta. E isso está longe de acontecer. Não está sequer no horizonte do primeiro escalão governamental.
De acordo com os dados oficiais divulgados na quinta-feira, 27, as contas do governo, que levam em conta informações do Tesouro Nacional, da Previdência Social e do Banco Central, registraram, no mês passado, o pior desempenho para o mês de junho desde 2021.
Os números mostram que o país teve um déficit primário de R$ 45,2 bilhões. Isso significa que o governo teve mais despesas do que receitas, ou seja, arrecadou menos e gastou mais. A conta, já assustadora, não considera o pagamento de juros da dívida pública.
Em nível de comparação, em junho de 2022, no governo Bolsonaro, foi registrado um saldo positivo de R$ 14,5 bilhões. Dá para notar a diferença? O tombo, só por esse recorte, chega a R$ 60 bilhões. Se levarmos em conta o acumulado do primeiro semestre, a diferença entre receitas e despesas ficou negativa em R$ 42,5 bilhões, também o pior desempenho desde 2021.
O Tesouro justifica o rombo deste ano por conta da redução real de 26,1% da receita líquida e um acréscimo real de 4,9% das despesas totais em relação aos valores do ano passado.
O governo acredita não ter muito com o que se preocupar já que o Parlamento, em dezembro do ano passado, garantiu boa parte desse descontrole das contas públicas. A meta fiscal autorizada por deputados e senadores para 2023 permite um rombo primário de até R$ 238,2 bilhões.
Pelo último Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas, publicado na semana passada, o Ministério do Planejamento e Orçamento estimou que o déficit não deve atingir a meta, assim deverá ficar na casa dos R$ 145,4 bilhões neste ano. Esse valor equivale a 1,4% do PIB. Um desvio de rota e tanto para um país que sonhava abandonar as contas no vermelho.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenta esbanjar otimismo e tem repetido, como um mantra, que o governo ainda mira um déficit de 1% do PIB no ano. Só faltam atitudes concretas que justifiquem essa esperança mística do ministro.
No fundo, no fundo, o governo sabe que vai ser difícil atingir qualquer meta prevista hoje. Tudo vai depender do avanço no Congresso do arcabouço fiscal e da reforma tributária. Tenta-se criar um clima de otimismo na economia para facilitar a conquista de votos na Câmara e no Senado. Só que as contas não batem e qualquer um que conheça o mínimo de matemática já percebeu isso.
Vai restar ao presidente Lula comprar o apoio necessário para tentar aprovar as medidas que possam sustentar a sua gastança. Vai precisar distribuir cargos e emendas para os mais diversos partidos políticos na esperança de aprovar, com rapidez, os projetos que estão no Congresso.
Só que a fantasia não dura para sempre. Ano que vem, o país todo estará envolvido nas eleições municipais. Se a economia andar mal, com carga tributária em alta e empresas quebrando, muitos parlamentares enfrentarão problemas para encarar as suas bases. Isso pode mudar o humor do Congresso que vai botar na conta de Lula toda e qualquer derrota.
Muita água ainda vai rolar por baixo dessa ponte. O Brasil precisa retomar seu crescimento com segurança, sem malabarismos e enganação. As contas públicas precisam ser controladas. Só assim a inflação volta para o centro da meta. Até lá, não adianta colocar a culpa apenas no Banco Central.